Festival de Cannes 2023: conheça os filmes selecionados; cineastas brasileiros marcam presença

por: Cinevitor
Cena do documentário Retratos Fantasmas, do brasileiro Kleber Mendonça Filho

O Festival de Cannes 2023, que acontecerá entre os dias 16 e 27 de maio, anunciou nesta quinta-feira, 13/04, em uma coletiva apresentada por Iris Knobloch, presidente do festival, e Thierry Frémaux, diretor geral, os filmes selecionados para sua 76ª edição.

Neste ano, o cinema brasileiro ganha destaque com o documentário Retratos Fantasmas, quinto longa-metragem do cineasta e roteirista pernambucano Kleber Mendonça Filho, que será exibido fora de competição na mostra Sessões Especiais. O filme tem como personagem principal o centro da cidade do Recife como local histórico e humano, revisitado através dos grandes cinemas que atravessaram o século 20 como espaços de convívio. Foram lugares de sonho e de indústria; e a relação das pessoas com esse universo é um marcador de tempo para as mudanças dos costumes em sociedade.

Produzido por Emilie Lesclaux para a CinemaScópio Produções e coproduzido pela Vitrine Filmes, de Silvia Cruz e Felipe Lopes, o filme é fruto de sete anos de trabalho de pesquisa, filmagens e montagem: “Palácios de Cinema em centros de cidades são comuns em muitos outros lugares no mundo, mas ocorre que eu sou pernambucano, recifense, e parti para mostrar essa geografia da cidade com um ponto de vista pessoal. Recife é também uma cidade que ainda desfruta de um cinema espetacular como o São Luiz, um palácio de 1952. Hoje, são poucas as cidades no mundo que ainda sabem o que isso representa”, disse o diretor.

Cerca de 60% de Retratos Fantasmas é composto por material de arquivo, com fotografias e imagens em movimento encontradas em acervos pessoais, na produção pernambucana de cinema, televisão e de instituições como a Cinemateca Brasileira, o CTAv, Centro Técnico do Audiovisual, e a Fundação Joaquim Nabuco.

O trabalho de montagem, ao lado de Matheus Farias, reúne imagens dos mais variados formatos: “É uma felicidade e uma honra estar de volta ao Festival de Cannes com um projeto que é um trabalho diferente dos filmes de ficção que já apresentamos do ponto de vista da produção, mas que é tão pessoal quanto Aquarius e Bacurau. Retratos Fantasmas traz temas que atravessam toda a obra de Kleber. Inclusive seu primeiro longa-metragem é o documentário Crítico”, disse a produtora Emilie Lesclaux.

Em um post no Instagram, Kleber, premiado em Cannes, em 2019, com Bacurau, disse: “Retratos Fantasmas, meu quinto longa-metragem, é um documentário e terá a sua estreia mundial na Seleção Oficial do 76º Festival de Cannes em Sessão Especial, fora de competição. A notícia foi anunciada por Thierry Frémaux na coletiva de imprensa do festival, agora há pouco em Paris. O filme se passa no centro do Recife, no passado e agora, entre o Cinema Veneza, em duas pontes e o Cinema São Luiz. É o meu quarto filme em Cannes depois de Vinil Verde, Aquarius e Bacurau. Uma honra e uma alegria. Obrigado, Emilie Lesclaux, Matheus Farias, Silvia Cruz, Vitrine Filmes e aos amigos que vêm acompanhando de perto! Que o Cinema São Luiz esteja já reaberto à sociedade no segundo semestre para podermos exibir Retratos Fantasmas no Recife”.

Enquanto isso, o cineasta brasileiro Karim Aïnouz, premiado em Cannes com A Vida Invisível, em 2019, está na disputa pela Palma de Ouro, prêmio máximo do festival, com o drama Firebrand, anunciado em 2021. Com fotografia de Hélène Louvart, o filme, protagonizado por Alicia Vikander e Jude Law, narra o casamento de Catarina Parr, Rainha Consorte do Reino da Inglaterra e Reino da Irlanda, com o rei Henrique VIII. O longa é produzido pela Brouhaha Entertainment, MBK Productions e Magnolia Mae Films.

Na mostra paralela Un Certain Regard, destaque para A Flor do Buriti, dirigido pelo português João Salaviza e pela brasileira Renée Nader Messora, de Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos, que recebeu o Prêmio Especial do Júri nesta mesma mostra, em 2018. Novamente com os Krahô, no norte do Tocantins, o filme traz um dos temas mais urgentes da atualidade: a luta pela terra e as diferentes formas de resistência implementadas pela comunidade da aldeia Pedra Branca.

“O filme nasce do desejo em pensar a relação dos Krahô com a terra, pensar em como essa relação vai sendo elaborada pela comunidade através dos tempos. As diferentes violências sofridas pelos Krahô nos últimos 100 anos também alavancaram um movimento de cuidado e reivindicação da terra como bem maior, condição primeira para que a comunidade possa viver dignamente e no exercício pleno de sua cultura”, disse a codiretora Renée Nader Messora.

O longa, produzido por Ricardo Alves Jr. e Julia Alves, por meio da produtora mineira Entre Filmes, que será distribuído no Brasil pela Embaúba Filmes, atravessa os últimos 80 anos dos Krahô, trazendo para a tela um massacre ocorrido em 1940, onde morreram dezenas de pessoas. Perpetrado por dois fazendeiros da região, as violências praticadas naquele momento continuam a ecoar na memória das novas gerações. “Filmar o massacre era um grande dilema. Se por um lado é uma história que deve ser contada, por outro não nos interessava produzir imagens que perpetuassem novamente uma violência. Percebemos que a única forma de filmar essa sequência era a partir da memória compartilhada, a partir de relatos, do que ainda perdura no imaginário coletivo desse pessoal que insiste em sobreviver”, conta a diretora.

O filme apresenta uma história de resistência do povo Krahô

A Flor do Buriti foi rodado durante quinze meses em quatro aldeias diferentes, dentro da Terra Indígena Kraholândia, e assim como em Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos, a equipe era muito pequena e se dividia entre indígenas e não indígenas. Relatos históricos baseados em conversas e a realidade atual da comunidade serviram de base para a construção da narrativa do filme: “A gente não trabalha com o roteiro fechado. A questão da terra é a espinha dorsal do filme. Propusemos aos atores trabalhar a partir desse eixo, criar um filme que pudesse viajar pelos tempos, pela memória, pelos mitos, mas que ao mesmo tempo fosse uma construção em aberto que faríamos enquanto fossemos filmando. A narrativa foi sendo construída com a Patpro, o Hyjnõ e o Ihjãc, que assinam o roteiro”, explicou João Salaviza.

As manifestações em Brasília durante a votação do Marco Temporal e as ameaças que a Terra Indígena vem sofrendo nos últimos anos, como roubo de animais silvestres, extração de madeira e reativação de uma barragem ilegal, são absorvidas pelo filme, em uma narrativa onde passado e presente coexistem e formam um corpo só: “Os desafios que os Krahô enfrentam hoje ecoam em todo o nosso continente. O que contamos aqui, em um contexto extremamente específico e peculiar, é também a História dos povos indígenas sul-americanos desde a invasão. Se as formas de violência são múltiplas e capazes de aniquilar nações inteiras, as formas de resistência são ainda mais potentes, vibrantes e reinventadas diariamente”, conta Renée.

A seleção do filme para Cannes mostra que o mundo está realmente de olho nas questões dos povos originários no Brasil: “A importância dos povos originários não reside apenas no conhecimento ancestral, mas também na elaboração de tecnologias totalmente sofisticadas de defesa da terra. Eles ocupam radicalmente a contemporaneidade. O festival também será importante como lugar para se formar novas alianças, usar da sua capacidade de sedução cultural que possam ser reativadas no futuro. De fato, o bolsonarismo foi um verdadeiro massacre, tanto na destruição dos povos e seus direitos, como da terra. Agora, o que acontece é uma contraofensiva muito mais bela e forte. O mundo está de olho nos Krahô. É muito bom para nós, cineastas e aliados, ver o lugar que o filme pode ocupar”, ressalta João.

Sonia Guajajara, que também aparece no filme, é figura de admiração de mulheres de todas as aldeias, que vêem nela um modelo de referência: “Ela aparece em um discurso em Brasília sempre como ativista e hoje é uma Ministra, depois de décadas de militância. Vemos que há uma realidade muito rica e muito vibrante, com pouca visibilidade que é aquilo que acontece em cada aldeia. E é onde as comunidades organizam sua resistência, e isso hoje vem com tudo. E é um rio imparável que vai confluir. E a melhor notícia que o Brasil poderia ter depois desses quatro anos é a presença cada vez mais forte dos povos indígenas ocupando lugares de poder”, reflete João.

Ainda na mostra Un Certain Regard, vale destacar a presença de Los Delincuentes, de Rodrigo Moreno, uma coprodução entre Argentina, Brasil, Luxemburgo e Chile; a equipe traz a brasileira Julia Alves, da Sancho & Punta, na produção. E mais: La chimera, de Alice Rohrwacher, que disputa a Palma de Ouro, conta com a atriz brasileira Carol Duarte, de A Vida Invisível, no elenco.

A 76ª edição do Festival de Cannes, que terá o cineasta sueco Ruben Östlund como presidente do júri, anunciará novos títulos na programação em breve.

[POST ATUALIZADO EM 24/04]

Confira a lista completa com os filmes selecionados para o Festival de Cannes 2023:

COMPETIÇÃO OFICIAL

Anatomie d’une chute, de Justine Triet (França)
Asteroid City, de Wes Anderson (EUA)
Banel & Adama, de Ramata-Toulaye Sy (Mali/Senegal/França)
Black Flies, de Jean-Stéphane Sauvaire (EUA)
Club Zero, de Jessica Hausner (Áustria)
Elementos, de Peter Sohn (EUA) (filme de encerramento) (fora de competição)
Fallen Leaves, de Aki Kaurismäki (Finlândia)
Firebrand, de Karim Aïnouz (Reino Unido)
Il sol dell’avvenire, de Nanni Moretti (Itália)
Jeanne du Barry, de Maïwenn (França/Reino Unido) (filme de abertura) (fora de competição)
Jeunesse, de Wang Bing (França)
Kuru Otlar Üstüne, de Nuri Bilge Ceylan (Turquia/França/Alemanha/Suécia)
L’été dernier, de Catherine Breillat (França)
La chimera, de Alice Rohrwacher (Itália/França/Suíça)
La Passion de Dodin-Bouffant, de Trần Anh Hùng (França)
Le retour, de Catherine Corsini (França)
Les Filles d’Olfa, de Kaouther Ben Hania (Tunísia)
May December, de Todd Haynes (EUA)
Monster, de Hirokazu Koreeda (Japão)
Perfect Days, de Wim Wenders (Japão/Alemanha)
Rapito, de Marco Bellocchio (Itália/França/Alemanha)
The Old Oak, de Ken Loach (França)
The Zone of Interest, de Jonathan Glazer (Reino Unido/Polônia/EUA)

UN CERTAIN REGARD

A Flor do Buriti (Crowrã), de João Salaviza e Renée Nader Messora (Brasil/Portugal)
Augure, de Baloji Tshiani (Bélgica/Holanda/Congo/Alemanha/África do Sul)
Goodbye Julia, de Mohamed Kordofani (Sudão/Suécia)
Hopeless, de Kim Chang-hoon (Coreia do Sul)
How to Have Sex, de Molly Manning Walker (Reino Unido)
If Only I Could Hibernate, de Zoljargal Purevdash (Mongólia)
Kadib Abyad, de Asmae El Moudir (Marrocos)
Le règne animal, de Thomas Cailley (França) (filme de abertura)
Les meutes, de Kamal Lazraq (França)
Los Colonos, de Felipe Gálvez (Chile)
Los Delincuentes, de Rodrigo Moreno (Argentina/Brasil/Luxemburgo/Chile)
Only the River Flows, de Wei Shujun (China)
Rien à Perdre, de Delphine Deloget (França)
Rosalie, de Stéphanie Di Giusto (França/Bélgica)
Salem, de Jean-Bernard Marlin (França)
Simple comme Sylvain, de Monia Chokri (Canadá)
Terrestrial Verses, de Ali Asgari e Alireza Khatami (Irã)
The Breaking Ice, de Anthony Chen (China)
The New Boy, de Warwick Thornton (EUA)
Une nuit, de Alex Lutz (França) (filme de encerramento)

FORA DE COMPETIÇÃO

Cobweb, de Kim Jee-woon (Coreia do Sul)
Indiana Jones e a Relíquia do Destino, de James Mangold (EUA)
Killers of the Flower Moon, de Martin Scorsese (EUA)
L’Abbé Pierre – Une vie de combats, de Frédéric Tellier (França)
The Idol, de Sam Levinson (EUA)

CANNES PREMIÈRE

Bonnard, Pierre et Marthe, de Martin Provost (França)
Cerrar los ojos, de Víctor Erice (Espanha)
Eureka, de Lisandro Alonso (Argentina/França/Portugal)
Kubi, de Takeshi Kitano (Japão)
L’amour et les forêts, de Valérie Donzelli (França)
Le temps d’aimer, de Katell Quillévéré (França/Bélgica)
Perdidos en la Noche, de Amat Escalante (México/Holanda/Alemanha)

SESSÕES ESPECIAIS

As Filhas do Fogo, de Pedro Costa (Portugal)
Anselm (Das Rauschen der Zeit), de Wim Wenders (Alemanha)
Bread and Roses, de Sahra Mani (Afeganistão)
Le Théorème de Marguerite, de Anna Novion (França/Suíça)
Little Girl Blue, de Mona Achache (França/Bélgica)
Man in Black, de Wang Bing (EUA)
Occupied City, de Steve McQueen (Reino Unido/Holanda)
Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho (Brasil)
Strange Way of Life, de Pedro Almodóvar (Espanha)

SESSÃO DA MEIA-NOITE

Acide, de Just Philippot (França/Bélgica)
Hypnotic, de Robert Rodriguez (EUA)
Kennedy, de Anurag Kashyap
Omar la fraise, de Elias Belkeddar (França)
Project Silence, de Tae-gon Kim (Coreia do Sul)

Foto: Wilson Carneiro da Cunha.

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