Cinema Brasileiro: Anos 2010, 10 Olhares: mostra exibirá as principais produções nacionais da última década

por: Cinevitor
Clemens Schick e Wagner Moura em Praia do Futuro, de Karim Aïnouz.

Terceira parte de uma retrospectiva que começou em 2001 (referente ao cinema dos anos 1990) e seguiu em 2011 (os anos 2000), Cinema Brasileiro: Anos 2010, 10 Olhares resgata parte significativa da filmografia nacional da última década que contou com uma produção múltipla.

A mostra acontecerá no site oficial do evento (clique aqui), entre os dias 22 e 30 de abril, e será totalmente gratuita. Serão exibidos, ao todo, 75 filmes (43 longas e 28 curtas) e dez debates, disponíveis na plataforma Belas Artes À La Carte, parceira do evento.

Com idealização do curador Eduardo Valente, a mostra reflete sobre as linhas de força presentes na produção nacional dos últimos dez anos, permitindo muitas vezes ao atentar para o que veio antes, talvez, conseguir também olhar para um futuro. Dividido em eixos temáticos, o evento apresenta um painel da produção cinematográfica que, nesta edição, conta com a escolha de dez curadores e curadoras que propuseram recortes distintos, trazendo cada um e cada uma o seu próprio olhar: “Eles e elas tiveram liberdade total para propor títulos e maneiras de aproximar filmes, mas ao mesmo tempo nos reunimos para juntos trocarmos ideias sobre o que estes olhares, no seu conjunto, podiam projetar sobre a produção nacional na última década”, complementa Valente.

O período entre os anos 2011 e 2020 foi rico para o cinema brasileiro, especialmente por conta das políticas públicas que começaram a se desenhar da década anterior e que permitiram investimentos na cadeira cinematográfica da produção à distribuição. Um número inédito de longas e curtas foi atingido, com destacada participação em inúmeros festivais internacionais de diversos portes. Fora isso, mulheres e minorias (como a criação por realizadores negros e indígenas) tiveram uma forte presença na direção das obras, em números nunca vistos antes.

Na segunda metade da década, no entanto, o país passou por um turbilhão de mudanças políticas e sociais, que, novamente, refletiram e influenciaram o cinema, culminando num governo de extrema-direita que, por meio de suas ações, promove um desmonte sistemático das instituições voltadas para a educação e cultura. Nesse sentido, Cinema Brasileiro: Anos 2010, 10 Olhares, com seus longas e curtas, traça um painel de um país em transformação, nem sempre para melhor.

Além dos filmes, o festival contará com debates gravados entre os curadores e curadoras de cada segmento e mais dois especialistas nos temas, que discorrerão sobre as obras e o conceito trazido pelo curador para rever a década. Participarão das conversas: Amaranta Cesar, Ana Rosa Marques, Fabio Rodrigues, Ingá Maria, Carol Almeida, Alessandra Brandão, Francis Vogner, Ramayana Lira, Cléber Eduardo, Juliano Gomes, Maria Bogado, Erly Vieira, Adriana Azevedo, Vinicios Ribeiro, Heitor Augusto, Carla Italiano, Hélio Menezes, Janaína Oliveira, Hernani Heffner, Tatiana Carvalho Costa, Kênia Freitas, Camila Vieira, Luís Fernando Moura, Leonardo Bomfim, Marcelo Ikeda, Pedro Henrique Ferreira, Pedro Azevedo, Beatriz Furtado, Fábio Andrade, Rafael Parrode, Marcelo Ribeiro e Patrícia Mourão.

Confira a seleção completa da mostra Cinema Brasileiro: Anos 2010, 10 Olhares:

CACHOEIRA DOC: Desaguar em cinema: retomar territórios invadidos

O movimento observado no traçado desenhado pelos filmes reunidos, nesse segmento, antes de divisor é desaguar: confluência contra fronteiras erguidas por invasões e expropriações – de terras, corpos, povos, vidas, imaginários –, fronteiras fincadas em nome de um Brasil por cima de todos. É, portanto, de um cinema contra a Nação, e não de um cinema nacional, que se trata aqui, por meio dessa pequena coleção de filmes documentais surgidos nesta última década, e reunidos por fluxos sutis de conexão. Se o documentário é o cinema que toma para si a tarefa de empurrar as fronteiras do visível, estes longas e curtas lançam-se nas geografias – do tempo e do espaço –, em operações de retomada: do próprio corpo e desejo, das cidades, das imagens, da história e da terra.

LONGAS
A Cidade é uma Só?, de Adirley Queirós (2011)
Martírio, de Vincent Carelli (2016)
Ressurgentes: Um Filme de Ação Direta, de Dácia Ibiapina (2014)
Retratos de Identificação, de Anita Leandro (2014)

CURTAS
Bicicletas de Nhanderú, de Ariel Duarte Ortega e Patricia Ferreira (Keretxu) (2011)
Eu, Travesti?, de Leandro Santos (2014)
Relatos Tecnopobres, de João Batista Silva (2019)
Travessia, de Safira Moreira (2017)

CAROL ALMEIDA: A cidade e as brechas ocupadas

O cinema brasileiro produzido durante os anos 2010 esteve muito atento a questões sobre o direito à cidade, e fez esse debate se mover em imagem a partir de filmes muito distintos em suas propostas formais. Pensando mais especificamente sobre alguns corpos queers que se recusam de forma mais enfática a se adaptarem à arquitetura de segregação dos grandes projetos urbanos e quais espaços de existência que esses corpos conseguem criar, o recorte “A cidade e as brechas ocupadas” agrega filmes que buscam, por um gesto de recusa, um modelo de vida de algumas cidades e simultaneamente de fabulação e criação de desejo dentro das rachaduras que surgem nos blocos de concreto.

LONGAS
Batguano, de Tavinho Teixeira (2014)
Esse Amor que Nos Consome, de Allan Ribeiro (2012)
Nova Dubai, de Gustavo Vinagre (2014)
Tremor Iê, de Elena Meirelles e Lívia de Paiva (2019)

CURTAS
A Felicidade Delas, de Carol Rodrigues (2019)
A Maldição Tropical, de Luisa Marques e Darks Miranda (2016)
Estamos Todos Aqui, de Chico Santos e Rafael Mellim (2018)
Quebramar, de Cris Lyra (2019)

CLEBER EDUARDO: Espaços concretos de vidas em cinema

Esse segmento enfatiza uma linha de força de um grupo de filmes da última década e meia que conecta os modos de vidas de seus personagens com os espaços geográficos/sociais de suas vivências, amalgamando as vidas das pessoas fora da tela e das personagens na tela, sem deixar de haver jogo e criação para os filmes, reelaboração da vida cotidiana por dentro da vida em cinema, tensionando a autenticidade de corpos, espaços e falas com a elaboração cinematográfica, sem ter de firmar pacto com a ficção ou com o documentário, muito pelo contrário.

LONGAS
A Vizinhança do Tigre, de Affonso Uchôa (2014)
Baronesa, de Juliana Antunes (2017)
Diz a Ela que me Viu Chorar, de Maíra Bühler (2019)
Um Filme de Verão, de Jô Serfaty (2019)

CURTAS
Chico, de Irmãos Carvalho (2016)
Dona Sônia Pediu uma Arma para Seu Vizinho Alcides, de Gabriel Martins (2011)
Estado Itinerante, de Ana Carolina Soares (2016)
Filme Para Poeta Cego, de Gustavo Vinagre (2012)

ERLY VIEIRA JR: De corpo a corpo – personagens transbordantes, espectadorXs desejantes

Esse conjunto de filmes explora algumas das diferentes estratégias de engajamento sensório que parte da produção LGBTQIA+/queer brasileira da última década utiliza para falar diretamente aos corpos dxs espectadorxs. Há desde a dimensão coreográfica/ performática presente na mise-en-scène, até o uso de uma visualidade ‘háptica’ (que remete ao tátil), promovida por uma câmera que muitas vezes funciona como um corpo que também é afetado por aquilo que registra. Também se pode incluir aqui o diálogo entre diversos gêneros audiovisuais e hibridismos com outras linguagens contemporâneas, bem como formas de se explorar as relações nem sempre conciliatórias entre corpos dissidentes em termos de gênero e sexualidade e os espaços que habitam.

LONGAS
As Boas Maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra (2017)
Corpo Elétrico, de Marcelo Caetano (2017)
Meu Nome é Bagdá, de Caru Alves de Souza (2020)
Praia do Futuro, de Karim Aïnouz (2014)

CURTAS
Latifúndio, de Érica Sarmet (2017)
Minha História é Outra, de Mariana Campos (2019)
Peixe, de Yasmin Guimarães (2019)
Perifericu, de Nay Mendl, Rosa Caldeira, Stheffany Fernanda e Vita Pereira (2019)

HEITOR AUGUSTO: O corpo, novamente

Reconhecendo o crescimento exponencial de realizadores e realizadoras não-brancas no cinema brasileiro ao longo da última década, esse recorte propõe uma costura na qual o corpo, particularmente o negro, é presença. Esse segmento reúne quatro filmes de realizadores negros, dois codirigidos por pessoas negras e um por um realizador não-branco. Além de trazer oito filmes para um lugar mais detalhado de apreciação, este recorte carrega também a intenção de que os filmes aqui exibidos facilitem a aproximação a muitos outros que porventura não integram este programa.

LONGAS
A Batalha do Passinho, de Emílio Domingos (2012)
Baixo Centro, de Ewerton Belico e Samuel Marotta (2018)
Um Filme de Dança, de Carmen Luz (2013)
Vamos Fazer um Brinde, de Sabrina Rosa e Cavi Borges (2011)

CURTAS
Enquadro, de Lincoln Péricles (2016)
Morde e Assopra, de Stanley Albano (2020)
Ponte Sobre os Abismos, de Aline Motta (2017)
Tudo que é Apertado Rasga, de Fabio Rodrigues Filho (2019)

JANAÍNA OLIVEIRA: Cotidiano singular

Na última década o cenário do cinema nacional presenciou a emergência de outros sujeitos na frente e atrás das telas contando suas histórias. Nesses deslocamentos de significados entre centros e margens que essa emergência propicia, vemos surgir obras que rompem com expectativas de representações já cristalizadas em nosso imaginário. Filmes com outros repertórios possíveis para o vivido todos os dias. O segmento traz um conjunto de filmes que dialogam com os cotidianos da vida naquilo que têm de único, mas afetivamente e efetivamente comum.

LONGAS
Arábia, de Affonso Uchôa e João Dumans (2017)
Café com Canela, de Ary Rosa e Glenda Nicácio (2017)
Casa, de Letícia Simões (2019)
Ela Volta na Quinta, de André Novais Oliveira (2014)

CURTAS
Filme de Domingo, de Lincoln Péricles (2020)
Movimento, de Gabriel Martins (2020)
No Caminho com Mário, de Aldo Ferreira, Ariel Ortega, Leo Ortega, Patricia Ferreira e Ralf Ortega (2014)
Outro Fogo, de Guilherme Moura Fagundes (2017)

KÊNIA FREITAS: Movimentos Fabulares

Esse segmento, apoia-se em dois aspectos basilares na sua proposição de olhar sobre os filmes da década de 2010. O primeiro é a ideia do movimento (dança/gesto/performance) como criador de fabulação nos filmes. O segundo aspecto é de pensar uma inflexão da década situada em 2015 (como um marco temporal simbólico): o movimento de um cinema (e recepção crítica) com linhas de força mais calcadas nas encenações realistas/naturalistas e perspectivas universais/totalizantes para um cinema mais aberto às possibilidades especulativas//experimentais e marcado muitas vezes pela auto-inscrição localizada.

LONGAS
Brasil S/A, de Marcelo Pedroso (2018)
O que se move, de Caetano Gotardo (2012)
Vaga Carne, de Grace Passô e Ricardo Alves Jr. (2019)
Yãmîyhex: As Mulheres-Espírito, de Sueli Maxakali e Isael Maxakali (2019)

CURTAS
Elekô, de Coletivo Mulheres de Pedra (2015)
Kbela, de Yasmin Thayná (2015)
Negrum3, de Diego Paulino (2018)
Para Todas as Moças, de Castiel Vitorino Brasileiro (2019)

LEONARDO BONFIM: Era uma vez, era outra vez…

O foco principal aqui é pensar como um traço marcante do cinema contemporâneo – a ideia de que um filme pode recomeçar ao longo da projeção – foi abordado por longas brasileiros na última década. Dentro desse recorte, colocaremos em diálogo obras que se desdobram em duas ou mais partes, num jogo de variações e metamorfoses, e obras que aventuram a possibilidade da coexistência – nem sempre tranquila – de muitos filmes dentro de um mesmo filme.

LONGAS
A Cidade dos Piratas, de Otto Guerra (2018)
António Um Dois Três, de Leonardo Mouramateus (2017)
Garoto, de Júlio Bressane (2015)
Luz nos Trópicos, de Paula Gaitán (2020)
Os Dias com Ele, de Maria Clara Escobar (2013)

PEDRO AZEVEDO: O mundo em desencanto

O critério inicial para definir esse recorte foi territorial. Trata de se mergulhar na produção nordestina e cearense da década de 2010, entendendo-a como uma parte bastante expressiva da cinematografia brasileira contemporânea, que vem ganhando cada vez mais espaço de exibição e debate no circuito de festivais nacionais e internacionais, além de infiltrar-se progressivamente no circuito exibidor de salas comerciais. Não se trata, contudo, de reafirmar a força do cinema produzido no nordeste como um gesto esvaziado de sentido, fadado à esterilidade da boa intenção, mas de propor uma via livre de acesso a filmes  de artistas nordestinos que, quando pensados, exibidos, assistidos em conjunto, possam traduzir uma série de ideias complexas sobre questões que atravessam e transcendem a experiência de ser nordestino num Brasil cujas fronteiras apontam para a formação de um estado-nação que se desenha como ficção pura.

LONGAS
A Seita, de André Antônio (2015)
Canto dos Ossos, de Jorge Polo e Petrus de Bairros (2020)
Inferninho, de Guto Parente e Pedro Diógenes (2018)
Medo do Escuro, de Ivo Lopes Araújo (2015)
Sol Alegria, de Tavinho Teixeira e Mariah Teixeira (2018)

RAFAEL PARRODE: Desvios do contemporâneo

Ao nos locomovemos por destroços e ruínas de um passado recente, é preciso também partir de uma autocrítica, buscando compreender em que medida o cinema brasileiro se adequou a estilos, modelos de produção e difusão, e até que ponto vínculo permanecerá de pé diante do caos que se afirma. Nessa perspectiva, em que medida seremos reféns ao invés de operadores de novas estéticas emergentes, desvinculadas de um desejo de adequação do cinema brasileiro? A década passada viu muitos filmes que moldavam-se a um padrão internacional. São filmes facilmente encaixáveis em chaves ou tendências totalizantes do cinema mundial. Não se trata aqui da imposição de uma ideia de ‘novidade’, mas de tensionar as novas formas a partir deste arcabouço histórico. Investigar essas formas do cinema que agora já pertence ao passado é também um meio de compreender as amarras e enfrentamentos que precisamos lidar hoje.

LONGAS
Filme de Aborto, de Lincoln Péricles (2016)
Guerra do Paraguay, de Luiz Rosemberg Filho (2016)
Já Visto, Jamais Visto, de Andrea Tonacci (2013)
Tava, a Casa de Pedra, de Vincent Carelli, Patricia Ferrreira (Keretxu), Ariel Duarte Ortega e Ernesto Ignacio de Carvalho (2012)
Vermelha, de Getúlio Ribeiro (2019)

*A mostra Cinema Brasileiro: Anos 2010, 10 Olhares é produzido pela CUP FILMES e financiado através da Lei de Emergência Cultural Proac Expresso Lab (Lei Aldir Blanc).

Foto: Divulgação.

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