Entrevista: Eugenio Puppo e Matheus Sundfeld falam sobre a 9ª Mostra de Cinema de Gostoso

por: Cinevitor
Matheus Sundfeld e Eugenio Puppo na abertura da Mostra

Com seu espaço cada vez mais consolidado no cenário cultural da região Nordeste, a Mostra de Cinema de Gostoso realizou sua nona edição ao longo de cinco dias de exibições, seminários, debates e palestras, registrando um público total de mais de sete mil pessoas.

O evento reafirma a identidade de sua curadoria apresentando uma seleção de filmes nacionais, em sua maioria independentes, com potencial de dialogar com o público da cidade. Tendo como principal palco as sessões populares ao ar livre na Praia do Maceió, a Mostra trouxe 13 curtas-metragens e dez longas de 12 estados brasileiros, entre as mostras Competitiva, Panorama, Coletivo Nós do Audiovisual e Sessões Especiais.

O número recorde de inscrições de filmes, 927 obras de todas as regiões do país, indica que, mesmo com as limitações impostas pela pandemia de Covid-19 para a realização de filmes nos últimos dois anos, aliadas a uma política de abandono do setor cultural pelo governo federal, a produção audiovisual brasileira resiste e reafirma sua força e pluralidade.

Para esta edição, as sessões ao ar livre contaram com uma nova tela de projeção e sistema de som 7.1. Com cadeiras espreguiçadeiras, tela de 12m x 6,5m e projeção com resolução 2K, a sala propicia uma experiência imersiva como a de uma sala de cinema de alta tecnologia. Outra novidade marcou esta nona edição: a Mostra Panorama ganhou um novo local de exibição; uma tenda climatizada na Praia do Maceió, com 80 lugares, que exibiu os filmes no período da tarde.

A programação contou com produções que se destacaram nesta temporada, além de obras inéditas ou de estreia recente. Na lista estavam: Marte Um, filme de abertura, selecionado pelo Brasil para disputar uma vaga no Oscar; o grande vencedor do Festival de Cinema de Gramado deste ano, Noites Alienígenas; Regra 34, vencedor do Leopardo de Ouro no Festival de Locarno; Mato Seco em Chamas, filme de encerramento que teve estreia no Festival de Berlim; e muitos outros destaques, incluindo três obras do Rio Grande do Norte.

A Filha do Palhaço, de Pedro Diógenes, exibido ao ar livre: grande vencedor desta edição

Desde sua primeira edição, a Mostra de Cinema de Gostoso oferece a jovens, a partir de 18 anos, de São Miguel do Gostoso e distritos dos arredores, uma série de cursos de formação técnica e audiovisual. Os cursos são realizados meses antes do início da Mostra e têm como objetivo proporcionar aos jovens o domínio de diversas áreas da produção cinematográfica. O conhecimento adquirido pelos alunos é colocado em prática com a realização de curtas-metragens e a participação direta na equipe de organização da Mostra de Cinema de Gostoso.

Em 2013, os próprios alunos criaram o Coletivo Nós do Audiovisual e, desde então, já participaram de diversas oficinas e realizaram curtas-metragens que foram selecionados em diversos festivais de cinema no Brasil. Em 2022, foi aberta a terceira turma dos cursos de formação com 30 novos alunos, que participaram de cinco oficinas e realizaram dois curtas que foram exibidos na programação: Arrebentação, de Cristina Lima e Roberto de Lima; e o documentário Barraqueiros, de Bruna Farias e Maisa Tavares.

Além disso, em parceria com o BrLab, com direção geral de Rafael Sampaio, foi realizada a terceira edição do Gostoso Lab, laboratório para projetos de longa-metragem em fase de desenvolvimento da região Nordeste. Foram selecionados três projetos: Mata da Tapuia Morta, do Rio Grande do Norte (direção de Clarisse Kubrusly e Rodrigo Sena; roteiro de Francisca Bezerra, Rodrigo Sena e Clarisse Kubrusly; e produção de Arlindo Bezerra); Norma, da Paraíba (escrito, dirigido e produzido por Diego Lima); e Polinização, de Pernambuco (escrito e dirigido por Julio Cavani; e produção de Kika Latache).

Dois seminários, realizados na Pousada dos Ponteiros, também marcaram a programação: Encontro do Setor Audiovisual Potiguar: O Financiamento Público do Audiovisual no Rio Grande do Norte, com Mary Land Brito, Pedro Fiuza e Ricardo André; e Encontro com Raquel Bordin, da Pixar Studios.

O cineasta Cristiano Burlan marcou presença na Mostra com o longa A Mãe

Para falar mais sobre a Mostra de Cinema de Gostoso, fizemos um balanço geral desta nona edição com Eugenio Puppo, idealizador, produtor executivo, diretor geral e curador; e Matheus Sundfeld, diretor geral, curador, coordenador de produção.

Confira os melhores momentos do bate-papo, que aconteceu na Pousada dos Ponteiros:

CURADORIA

Eugenio Puppo: “Os filmes são escolhidos porque são bem realizados e trazem questões importantes. Não pensamos nos prêmios que já ganhou, mas na qualidade, no nível de comunicação com a comunidade. Esse processo de formação de público é muito delicado. O que mais nos norteia é assistir e gostar do filme. Nos preocupamos também em fazer um equilíbrio sobre diversas abordagens: temática LGBTQIA+, filmes dirigidos por mulheres, protagonistas femininas, temáticas negras. É com isso que nos preocupamos quando selecionamos os filmes que gostaríamos de exibir. Depois entram as questões de classificação indicativa”.

Matheus Sundfeld: “Esse ano tivemos um recorde de 927 filmes inscritos. Ficamos imersos nesse processo de seleção. Eu e o Eugenio escolhemos a seleção final, mas temos uma equipe que faz assistência de curadoria, que passa por algumas avaliações. Nunca começamos o processo tendo um norte muito definido. A cada ano, os filmes se apresentam de alguma forma. Pensamos também na descentralização regional. São 24 filmes na programação de 12 estados brasileiros. Nos preocupamos em ter essa representatividade do Norte, Nordeste, Centro-Oeste”.

Eugenio Puppo: “É muito trabalhoso fechar essa curadoria. Não ficamos atentos apenas aos inscritos. Pegamos os filmes exibidos em outros festivais, como Tiradentes e Rio, por exemplo, e vemos quais não foram inscritos. Analisamos também o line-up de todas as distribuidoras. É muito mais difícil e trabalhoso fazer essa curadoria para a Mostra de Gostoso porque temos esse olhar para o ano inteiro da produção independente. Ao total, a gente acaba vendo mais de mil filmes. É uma responsabilidade muito maior do que você se ater ao conjunto de filmes que se inscreveram. Temos a liberdade de procurar um título, por exemplo, que passou em Tiradentes e não ganhou nada. Ter esse olhar, conhecer o trabalho do realizador”.

Convidada especial: a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, marcou presença

MOSTRA PANORAMA

Matheus Sundfeld: “Antes a mostra Panorama era realizada no Centro de Cultura da cidade, que é um pouco distante da Praia do Maceió. Era sempre uma preocupação nossa em levar o público para assistir aos filmes lá. Criava uma logística que não era tão natural com a proposta do festival. Era um desejo nosso de longa data ter a mostra Panorama também nesse espaço da praia. Essa tenda surgiu com esse objetivo: de centralizar as atividades, já que os debates acontecem por aqui, os convidados ficam em pousadas próximas. A Mostra prioriza muito esse encontro das pessoas. Conseguimos, enfim, realizar esse nosso desejo de colocar a Panorama na praia. Claro que é um projeto que ainda vamos aprimorar a estrutura para as próximas edições”.

COLETIVO NÓS DO AUDIOVISUAL

Eugenio Puppo: “Os alunos estão dominando o mercado aqui na região. Até hoje, já temos 24 curtas realizados por eles, desde 2013. São 51 oficinas, que contaram com participações de nomes como Jorge Bodanzky, Rodrigo Aragão, Fabio Bardella, Beth Goulart. A base das oficinas é formar essas pessoas e também despertar a consciência como cidadão. Essa é a premissa básica”

O FUTURO DA MOSTRA

Eugenio Puppo: “Nossa ideia é cada vez mais passar menos filmes, de maneira mais seleta. De modo que a pessoa possa assistir sem ter outra atração que concorra com as exibições. Ela termina, pensa, processa, vai dar um mergulho, descansa, almoça, participa do debate. Não queremos uma correria maluca porque você acaba não absorvendo adequadamente as obras. Não queremos só uma boa projeção, mas um tempo para a pessoa digerir o que assistiu”.

Matheus Sundfeld: “Não pensamos no crescimento da Mostra em números, em quantidade de filmes, em público. Nosso objetivo é aprimorar o que já temos. Vamos focar bastante nessa nova tenda e trabalhar ainda mais nas oficias do coletivo, com novas turmas”.

Eugenio Puppo: “Não queremos ter mil lugares na praia. Queremos tornar a sala mais inclusiva. Queremos ser um festival diferenciado, orgânico, onde tudo é perto, com tempo de reflexão. Não queremos nada estressante. Olha esse lugar que estamos! Se você não dialoga com o lugar, não faz sentido”.

Os alunos do Coletivo Nós do Audiovisual durante apresentação do filme

10 ANOS DA MOSTRA DE CINEMA DE GOSTOSO

Eugenio Puppo: “Queremos fazer uma edição especial, claro! Para o ano que vem, a ideia é que a tenda da mostra Panorama seja ainda mais incrível. Queremos melhorar isso, trocar as lonas das cadeiras, aprimorar ainda mais a iluminação, o palco. Para nós, crescer é dar esses avanços, esse aprimoramento. Queremos aumentar o número de seminários e trazer alguns convidados internacionais também, como curadores de grandes festivais. O grande barato é estar com a comunidade”.

Neste ano, o filme cearense A Filha do Palhaço, de Pedro Diógenes, apresentado na Mostra Competitiva, foi escolhido como o melhor longa-metragem pelo júri popular e também recebeu o Troféu da Imprensa, formado por jornalistas e críticos que cobrem o evento. O curta-metragem Ela Mora Logo Ali, de Fabiano Barros e Rafael Rogante, recebeu o prêmio do público. Clique aqui e confira a lista completa com os vencedores.

A 9ª Mostra de Cinema de Gostoso é uma realização da Heco Produções e do CDHEC, Coletivo de Direitos Humanos, Ecologia, Cultura e Cidadania, e da Guajirú Produções.

*O CINEVITOR esteve em São Miguel do Gostoso e você acompanha a cobertura do evento por aqui, pelo canal do YouTube e pelas redes sociais: Twitter, Facebook e Instagram.

Fotos: Rogério Vital.

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