Globo de Ouro: polêmicas, boicote e novo código de conduta profissional e ética

por: Cinevitor
Nicole Kidman premiada em 2018 pela série Big Little Lies.

Entre tantos prêmios que consagram os melhores da TV e do cinema, o Globo de Ouro quase sempre foi questionado tanto pela escolha dos seus indicados, quanto dos vencedores. Realizado pela HFPA, Hollywood Foreign Press Association, sua edição mais recente aconteceu em março envolvida em polêmicas.

No começo deste ano, a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood protagonizou uma denúncia feita pelo jornal Los Angeles Times sobre corrupção envolvendo a HFPA e a forte influência na escolha dos indicados por conta de regalias e brindes enviados pelas produtoras dos filmes e séries para membros votantes. E mais: o L.A. Times também apurou que não há jornalistas negros entre os 87 membros.

Por conta disso, a Associação prometeu mudanças internas. O cronograma do plano de reforma, anunciado em 10/05, prometia adicionar um novo consultor de diversidade, equidade e inclusão; treinamento obrigatório para os membros sobre assédio sexual; inclusão de novos membros até agosto de 2021; uma nova supervisão no processo de inscrição de membros e recadastramentos; novas políticas sobre brindes, viagens e coletivas de imprensa; entre outros.

Porém, dois meses depois da 78ª edição, a emissora americana NBC anunciou que não irá transmitir a próxima cerimônia do Globo de Ouro. A decisão tomada por um dos maiores canais dos Estados Unidos se dá por conta da falta de representatividade entre os membros: “Continuamos a acreditar que a HFPA está comprometida com uma reforma significativa. No entanto, uma mudança dessa magnitude exige tempo e trabalho, e acreditamos fortemente que a HFPA precisa de tempo para fazê-la da maneira certa. Como tal, a NBC não irá transmitir o Globo de Ouro de 2022. Supondo que a organização execute seu plano, temos esperança de estar em posição de transmitir o programa em janeiro de 2023”, disse o comunicado oficial. 

O boicote ao evento também foi adotado por outros grandes nomes, como Netflix, Amazon Studios e WarnerMedia, que anunciaram que não irão mais inscrever suas produções na premiação: “Como muitos em nosso setor, esperamos por esse anúncio na esperança de que reconheçam a amplitude dos problemas enfrentados pela HFPA e forneçam um roteiro claro para mudanças. No entanto, não acreditamos que essas novas políticas propostas, especialmente em relação ao tamanho e velocidade do aumento de sócios, vão enfrentar a diversidade sistêmica da HFPA e os desafios de inclusão; ou a falta de padrões claros de como seus membros devem operar. Portanto, estamos interrompendo todas as atividades com a organização até que mudanças mais significativas sejam feitas”, disse Ted Sarandos, diretor executivo da Netflix.

Tina Tchen, presidente e CEO da Time’s Up, instituição que arrecada dinheiro para apoiar vítimas de assédio sexual, também se pronunciou sobre a decisão da NBC: “Este é um momento de definição para Hollywood. Hoje, temos a oportunidade de reconhecer que, ao nos pronunciarmos contra um sistema de premiação poderoso, mas profundamente falho, podemos começar a reimaginar uma indústria mais justa. Foram necessárias as vozes coletivas de atores individuais, criadores e uma frente unida de mais de 100 publicitários, junto com a liderança moral poderosa de empresas como Netflix, Amazon e WarnerMedia, para fazer isso acontecer. Juntos, exigimos uma cerimônia de premiação totalmente inclusiva, transparente e respeitosa. Coragem e liderança fizeram a diferença”.

Jane Fonda na edição deste ano: prêmio especial pela carreira.

Celebridades premiadas também se pronunciaram. Tom Cruise, por exemplo, vencedor de três estatuetas (Nascido em 4 de Julho, Jerry Maguire: A Grande Virada e Magnólia) devolveu os prêmios; Mark Ruffalo, premiado este ano pela minissérie I Know This Much Is True, declarou em sua conta no Twitter que não ficou feliz com o prêmio.

Na quinta-feira, 20/05, os membros da HFPA aprovaram de forma esmagadora um novo Código de Conduta Profissional e Ética estabelecendo os valores, expectativas e padrões da Hollywood Foreign Press Association: “Os membros se reuniram, consideraram e votaram de forma esmagadora para aprovar e implementar o plano do Conselho para uma mudança transformacional. A diretoria continua se reunindo com grupos de defesa para desenvolver iniciativas para cumprir o compromisso da HFPA de adicionar pelo menos 20 novos membros até agosto de 2021 e aumentar o número de membros em 50% em 18 meses”.

E continuou: “Independentemente da próxima data de transmissão do Globo de Ouro, a implementação de mudanças transformacionais tão rapidamente, e tão cuidadosamente, continua sendo a principal prioridade para nossa organização. Convidamos nossos parceiros do setor para trabalharem conosco nessa reforma sistêmica que está muito atrasada, tanto em nossa organização quanto no setor em geral. Queremos deixar claro que um pilar fundamental de nosso plano de reforma é a responsabilidade. A HFPA condena toda e qualquer forma de assédio, discriminação e abuso. Tal comportamento é inaceitável e ações disciplinares serão tomadas em caso de violações de nosso novo código. Todos os membros, novos e antigos, deverão seguir este novo código de conduta e serão responsabilizados se não o fizerem”

E mais: “Ficamos preocupados com relatos de que certos membros se envolveram em comportamentos inaceitáveis ​​no passado e estamos profundamente comprometidos em garantir que isso não aconteça novamente e que as interações com a HFPA e seus membros incorporem respeito mútuo. Nosso novo código de conduta e as políticas que serão lançadas nas próximas semanas foram elaborados para atingir esse objetivo fundamental e necessário”

Tom Hanks e Charlize Theron na cerimônia do ano passado.

O novo Código de Conduta Profissional e Ética aprovado recentemente diz: “Nosso compromisso é com a diversidade e inclusão. Devemos agir com a intenção de promover a diversidade, equidade e inclusão não apenas entre nossos membros e dentro de nossa Associação, mas devemos nos tornar líderes em nossas comunidades jornalísticas e de entretenimento para que incentivemos e celebremos as vozes, experiências e pontos de vista autênticos e variados daqueles que estão por trás e na frente da tela. Vamos estabelecer e manter um ambiente que reflita nossa comunidade global, capacitar membros e artistas que estão sub-representados na indústria do entretenimento e promover uma cultura que respeita e valoriza indivíduos de todos os gêneros, idades, raças, etnias, religiões, identidades e experiências”.

Outra questão em destaque é o compromisso com a responsabilidade e transparência: “Estamos comprometidos com a promoção de uma cultura de responsabilidade e transparência, tanto dentro da organização quanto com nossos constituintes externos. Nos comprometemos com os mais altos padrões de conduta profissional, inclusive por meio da aplicação deste Código de Conduta. Nossas ações enviarão uma mensagem clara à indústria de entretenimento e ao público em geral de que a HFPA está focada em promover sua missão e não tolerará conduta não profissional ou antiética”.

O novo código também destaca o profissionalismo e respeito: “Estamos comprometidos em criar uma cultura de boas-vindas para aqueles de fora de nossa Associação, agindo com respeito e profissionalismo em todos os eventos da HFPA e em outros eventos do setor, como coletivas de imprensa e exibições. Estamos comprometidos em promover um ambiente de respeito mútuo entre nossos membros, onde podemos participar de debates e conversas robustas baseados no respeito pelas diversas opiniões e experiências uns dos outros”.

Outro ponto importante do novo código fala sobre a votação e os famosos mimos recebidos pelos jornalistas: “Temos o compromisso de selecionar todos os indicados e vencedores com base em um processo irrepreensível. Portanto, os membros devem evitar quaisquer ações que possam levar à sua imparcialidade sendo razoavelmente questionadas. Os membros são proibidos de aceitar, concordar em aceitar, exigir ou solicitar qualquer coisa de valor em troca de uma ação tomada por um membro em sua capacidade na HFPA de forma corrupta”.

O código diz também que fica proibido: ameaçar, assediar ou abusar de terceiros, seja verbalmente, fisicamente ou por escrito; expressar opiniões em nome da HFPA sem autorização expressa do Conselho de Diretores; usar ou tentar usar a Associação para lucro pessoal; divulgar publicamente qualquer assunto da HFPA que seja confidencial; entre outros.

Laura Dern: melhor atriz coadjuvante por História de um Casamento.

Na terceira página do código, a HFPA esclarece que proíbe qualquer forma de assédio ou discriminação com base na raça, etnia, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou expressão, religião, idade, credo, cor, estado civil, nacionalidade, ancestralidade, gravidez ou condição relacionada à gravidez, condição médica, deficiência física ou mental, status militar e de veterano, status de cidadania ou qualquer outra característica legalmente protegida. Além disso, proíbe e não tolera assédio ou discriminação contra indivíduos que são percebidos como tendo qualquer uma dessas características ou que estão associados a uma pessoa que tem, ou parece ter, qualquer uma dessas características: “Como o assédio e a discriminação prejudicam a integridade de nossa organização e de nosso trabalho e destroem o moral de nossos membros, partes interessadas externas e parceiros da comunidade, a HFPA proíbe tal conduta”.

Sobre assédio sexual, o novo código também diz: “O assédio sexual não tem lugar dentro ou fora da HFPA, que tem o compromisso de fornecer um ambiente seguro para seus membros. Assédio sexual significa qualquer assédio baseado no sexo, orientação sexual ou identidade ou expressão de gênero”.

O futuro do Globo de Ouro ainda é incerto, mesmo com a promessa de mudanças na Associação. A luta pela igualdade pode ser um caminho longo dentro de uma poderosa e gigante indústria como Hollywood. Porém, a união de uma comunidade, que inclui nomes grandes, tem ganhado cada vez mais força para realizar mudanças necessárias. 

Não é de hoje que o Globo de Ouro acumula fatos duvidosos. Ao longo de sua história, muitos indicados, e até mesmo vencedores, não convenceram o público e a imprensa mundial sobre uma votação honesta. Ainda assim, a premiação era considerada uma das mais importantes da indústria; pelo marketing adotado por estúdios, campanhas e outras ações que enalteciam suas produções lembradas pelos membros da HFPA.

Porém, já faz um tempo que a premiação vem sendo questionada constantemente por diversas questões que levavam um filme ou uma série à lista final do prêmio. Neste ano, entre tantas polêmicas escancaradas, o Globo de Ouro perde, finalmente, seu brilho; e também aliados. Não tem mais como esconder o que se passava por trás de todo o glamour do tapete vermelho.

Fato é que muitas mudanças precisam ser feitas para que a premiação volte a ganhar credibilidade e seja novamente aceita pelo público e por membros da indústria. Para a HFPA, o caminho será longo. Já para aqueles que lutam por igualdade e diversidade, e que muitas vezes foram ignorados por conta de fortes alianças que privilegiavam outros interesses além das estatuetas, é possível enxergar uma luz no fim do túnel. Parece que o jogo virou e a justiça será feita. E isso é uma ótima notícia!

Clique aqui e leia, na íntegra, o novo Código de Conduta Profissional e Ética da Hollywood Foreign Press Association.

Texto: Vitor Búrigo
Fotos: Getty Images North America e Polk/NBC.

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