Candango: Memórias do Festival: Lino Meireles fala sobre o documentário que conta a história do Festival de Brasília

por: Cinevitor

festbrasiliadoc1Festival de Brasília do Cinema Brasileiro: memória cultural do país.

Dirigido pelo brasiliense Lino Meireles e realizado com recursos próprios, Candango: Memórias do Festival é um documentário que reúne depoimentos de cineastas, atores, organizadores, jornalistas e profissionais da arte e da fotografia para contar a história do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, criado em 1965 pelo crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes.

As filmagens somaram 65 horas de entrevistas realizadas em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. Ruy Guerra, Neville D’Almeida, Lúcia Murat, Helena Ignez, Vladimir Carvalho e Cacá Diegues, além de outros veteranos e nomes da nova geração de diretores e atrizes como Maeve Jinkins, José Eduardo Belmonte, Juliano Cazarré, Claudio Assis e Rodrigo Santoro falaram da importância do festival para o cinema brasileiro e relataram experiências vividas em suas respectivas participações no evento.

Candango: Memórias do Festival é um projeto de autoria de Lino Meireles que contempla um livro de mesmo título, lançado há três anos na 50ª edição do festival, e um banco de dados com informações de todas as edições do evento. Meireles espera que a história do Festival de Brasília continue sendo narrada por profissionais que se interessem pela memória cultural do país e considera que o primeiro volume do seu livro é apenas o início de um trabalho que deve ter prosseguimento.

festbrasiliadoc3Lino Meireles: cineasta brasiliense.

Em 1965, um ano após o início da ditadura militar brasileira, um oásis de liberdade foi inaugurado na capital do país: o Festival de Cinema de Brasília, marco da resistência cultural e política. Este documentário conta a trajetória do evento a partir de relatos das pessoas que construíram a história do festival, entre elas a cineasta e atriz Helena Ignez, o diretor de fotografia Walter Carvalho, o ator Antonio Pitanga e o crítico Rubens Ewald Filho. O filme propõe o resgate da memória do que se passou em mais de 50 anos de celebração do cinema brasileiro pelas lembranças de mais de 50 entrevistados.

Para falar mais sobre o longa, que integra a seleção da 53ª edição do Festival de Brasília, conversamos com o diretor por e-mail. Confira os melhores momentos:

O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro sempre foi considerado um dos mais importantes entre tantos eventos ligados ao cinema no país. Como surgiu a ideia de contar a história do festival?

Engraçado, tive a ideia durante o festival de 2016. Um amigo ia reexibir seu primeiro curta-metragem, de 1996, durante uma tarde. Aquele filme, Depois do Escuro, foi o primeiro trabalho do Rodrigo Santoro para cinema. Quem imaginaria isso? Que a carreira dele no cinema começou em Brasília? Comecei a imaginar, quantas histórias não aconteceram durante estes anos todos que, hoje em dia, poderiam adquirir uma importância muito maior devido aos seus efeitos posteriores? Fora a importância histórica do próprio festival. Era um projeto que eu poderia dedicar à minha cidade.

Sendo brasiliense, qual sua ligação com o evento? Você sempre participou? Quais suas histórias pessoais mais marcantes do festival?

Minha relação sempre foi como espectador. Participei com meu primeiro curta-metragem, em 2010, da Mostra Brasília, exclusiva para filmes da capital mas que, naquele ano, incluía todos os inscritos. Acho que só por isso entrei; hoje tem uma curadoria. Lamento dizer que não tenho nada de marcante exceto os filmes… e aquela sala do Cine Brasília entupida. Nunca houve algo como aquilo, tem um trecho do filme sobre isso. Ficava sem um centímetro quadrado livre em todas as superfícies. Talvez por ser um mero espectador, pude fazer o filme pronto para ouvir as histórias dos outros.

O filme funciona muito bem como um registro histórico não só do festival, mas também do cinema brasileiro. Ao longo da projeção, percebemos a evolução da nossa filmografia: primeiro a forte presença masculina entre os selecionados e premiados; depois a ascensão das mulheres; a interferência da censura; a consagração de outras produções fora do eixo Rio/São Paulo, como o cinema pernambucano; o surgimento de novos realizadores promissores; entre outros momentos marcantes. Como funcionou e quanto tempo durou sua pesquisa para traçar essa linha narrativa e cronológica?

Eu conhecia isso, e por isso mesmo sabia que daria um filme. Se for bom ou ruim depende da expectativa de cada espectador, mas a importância do filme é garantida por explicitar essa movimentação que você identifica. A história do festival é a história do nosso Cinema. Em cada época procuramos episódios que pudessem falar da época como um todo e a história do festival fala do nosso cinema como um todo também. A pesquisa foi longa e a busca por material de arquivo extensa. Dois anos. Por isso saiu mais coisa: um livro e uma enciclopédia digital do festival, provavelmente a única no país, disponível on-line. Clique aqui.

festbrasiliadoc2Cine Brasília: local de muitas histórias e momentos inesquecíveis.

O documentário traz um time importante e consagrado de entrevistados. Com tantas histórias narradas (desde as vaias no Cine Brasília, encontros no Hotel Nacional, discursos potentes, brigas, festas, convidados ilustres), como foi feita a escolha dos entrevistados? E como funcionou o processo de montagem? Ao total, quantas horas de material foram filmadas?

A busca por entrevistados foi um tiroteio glorioso, pra todos os lados. A preocupação era gravar depoimentos para a posterioridade sem pensar em como montar tudo depois. Eu tinha um intervalo de tempo para fazer, fomos formando equipes nas cidades onde passamos, e topávamos tudo. Por isso, num futuro próximo, as entrevistas ficarão disponíveis via internet, na íntegra. Tínhamos 61 horas de entrevistas e 40 de material de arquivo. Foi esse material de arquivo que ditou o rumo do filme. Primeiro fizemos uma busca abrangente e, à medida em que focávamos nas histórias que seriam contadas, renovávamos a pesquisa. Eu não consigo assistir trechos do que ficou de fora. É doído.

O documentário, super informativo, traz um sentimento de nostalgia, principalmente pra quem já participou presencialmente, e também resgata a essência do festival. Fala-se dos filmes, da importância do público, da crítica, dos realizadores e de como ser premiado em Brasília alavancava a carreira de uma obra. Exibido em alguns festivais, Candango chega agora ao próprio Festival de Brasília. Como você acha e/ou espera que o filme reverbere nos espectadores? Qual sua expectativa?

É um momento propício para este filme. Um momento de desmonte, de pandemia… A perspectiva histórica que ele traz é de refletir o poder e a resistência do nosso cinema. De que ele já passou por isso e se reconstrói, levando o tempo que precisar. Vale a pena fazer cinema aqui. Com essa mensagem, torço para que o filme alcance o máximo de pessoas possível, mas sempre mantenho minhas expectativas tímidas por uma característica minha. O filme pode ecoar por muito tempo. A própria identidade do festival, de resistência, parecia antiquada dez anos atrás, e hoje é mais necessária do que nunca. Minha realização pessoal é ter feito o filme. Ele estará por aí por bastante tempo.

*O filme pode ser visto entre os dias 15 e 20 de dezembro na plataforma Canais Globo.

Entrevista e edição: Vitor Búrigo.
Fotos: Divulgação.

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