
O longa Geni e o Zepelim, primeira adaptação cinematográfica da clássica canção homônima de Chico Buarque, começará a ser rodado na próxima semana na Amazônia. Com direção e roteiro de Anna Muylaert e produzido por Iafa Britz, o filme conta a história da prostituta ribeirinha Geni, amada pelos desvalidos e odiada pela sociedade local.
A atriz Ayla Gabriela assume o papel da personagem e Seu Jorge dará vida ao comandante do Zepelim. A produção é assinada pela Migdal Filmes em coprodução com a Paris Entretenimento e Globo Filmes; a distribuição nos cinemas será da Paris Filmes.
Geni e o Zepelim marca a estreia de Ayla como protagonista em um longa-metragem. A atriz já protagonizou o curta Pássaro Memória, de Leonardo Martinelli, selecionado para diversos festivais, entre eles, Locarno, Toronto e Gramado. Dirigiu e atuou no curta A Corpa Fala (2020) e integrou o elenco de Santo (2023) e de Girassóis (2024). Ayla é também bailarina, trabalhou e estudou com a coreógrafa Lia Rodrigues. Em 2025, protagonizou com Cibelle Rodricco o curta-metragem Defesa Pura, de George Pedrosa, rodado em São Luís, no Maranhão.
Antes do anúncio de Ayla Gabriela no elenco, o filme enfrentou polêmicas quando foi revelado, em uma matéria do jornal O Globo, que a protagonista seria interpretada pela atriz cis Thainá Duarte, de Cangaço Novo e Maria e o Cangaço; em outras obras adaptadas, Geni sempre foi caracterizada como uma mulher trans. Por conta disso, Muylaert abriu um debate em suas redes sociais, que gerou diversas discussões: “Sobre Geni e o Zepelim, amigas e amigos trans e cis, vamos debater juntos?”.
Com isso, muitos comentários foram adicionados ao post da diretora, entre eles, o posicionamento da artista Renata Carvalho: “Então você precisa que pessoas cisgêneros (que são as opiniões que importam) validem você a retirar a principal característica da personagem? Se Geni não é travesti, não é a Geni. Agora você pode fazer como quiser o seu filme, não sou uma juíza pra dizer quem pode ou como se deve fazer algum produto artístico. O que nós estamos pedindo é respeito por Geni e por todas as pessoas trans e travestis que continuam sendo apedrejadas até hoje. Seu filme será mais uma pedrada, mas o que vale mesmo é a arte, não as pessoas, não é mesmo? Você deve fazer o filme que quiser, da forma que quiser e eu como uma travesti e transpóloga, fundadora deste movimento, tenho o direito também de fazer qualquer apontamento crítica embasado, responsável e com muita ética. Boas filmagens!”.
Alguns dias depois, a Migdal Filmes postou o seguinte comunicado: “A produção do longa Geni e o Zepelim tomou a decisão de redesenhar o projeto. A personagem principal, inicialmente concebida como uma mulher cis, passa a ser uma mulher trans/travesti, e será interpretada por uma atriz trans. A decisão coletiva foi fruto da escuta atenta e do aprendizado de intensas trocas com pessoas de diferentes setores da sociedade. Compreendemos que o momento político global, e em especial o cenário transfóbico no Brasil, impõe a todas as pessoas uma postura ativa e comprometida. Consideramos que esta mudança de abordagem da identidade de gênero da personagem no filme é a atitude acertada. Diante desta decisão, expressamos nossa profunda admiração e gratidão a Thainá Duarte, uma atriz de grandeza e talentos únicos. Agradecemos ainda à APTA, Associação de Profissionais Trans do Audiovisual, que realizou conosco uma conversa franca e nos apontou caminhos. Agora precisamos nos dedicar ao filme, que começa a ser rodado em duas semanas, no Acre. Em breve divulgaremos quem será a protagonista. Que Geni ganhe o mundo e sensibilize corações e mentes”.
Na sequência, Thainá Duarte também se pronunciou em um vídeo nas redes sociais: “Geni será interpretada por uma mulher trans, lamento que todo esse processo tenha causado tanta dor. Reafirmo meu compromisso com a escuta, aprendizado e com a luta pela equidade! Boa sorte e todo meu carinho!”.
Ao final dos debates, Anna Muylaert postou um novo vídeo: “Eu queria agradecer a todo mundo que aceitou o convite para debater a questão da identidade de gênero da Geni. Foi um debate muito rico. Eu ouvi muitas vozes e pude entender a dimensão e a importância dessa personagem Geni para a comunidade trans. Portanto, fazer esse filme, essa história, com uma personagem como uma mulher cis, foi um erro, foi um equívoco. Eu quero pedir muitas desculpas para todas as pessoas da comunidade trans que sofreram, se sentiram apagadas e se sentiram atacadas na sua corporeidade por causa dessa ideia. Por favor, me desculpem. Eu tive uma visão errada, mas nós refletimos e, claro, vamos mudar o rumo das coisas. Nós vamos trocar a personagem e adaptar o roteiro para uma personagem trans. Eu também queria pedir desculpa para a atriz Thainá Duarte, que por causa de uma ideia minha foi tão exposta a haters na internet, que eu entendo que eram agressões a qualquer atriz cis que tivesse nesse papel, ocupando esse lugar. Mas ela sofreu esses ataques pessoalmente”.
E finalizou: “Eu queria dizer também que esse filme não é uma adaptação da Ópera do Malandro. Ele é uma adaptação da letra da música do Chico Buarque, isolada do contexto da Ópera do Malandro, e também do conto Bola de Sebo, do Guy de Maupassant, que o Chico disse ter baseado a letra de sua música. Eu queria agradecer, mais uma vez, a todos que me ajudaram a entender a dimensão do ícone que é a Geni. E eu queria dizer que eu, como uma diretora cis, vou fazer o possível para honrar essa personagem trans e vou dar o melhor de mim. Depois de quarenta anos, desde que essa música foi composta, Geni vem tomando pedra. E, ao contrário da música, criamos um final de glória para ela. Espero que todo esse debate e esse filme possam ser uma construção de uma ponte entre vários grupos no Brasil e quiçá no mundo. Obrigada pela atenção!”.
Pela primeira vez, a personagem Geni ganha uma história exclusiva nos cinemas, livremente inspirada na canção homônima composta há cerca de 50 anos. Ao longo do tempo, a música conquistou diversas gerações e recebeu várias interpretações no campo das artes. O nome Geni virou adjetivo para se referir a pessoas que sofrem recorrente humilhação pública, e agora a personagem terá a chance de um novo final: “A proposta ao Chico Buarque foi de fazer uma adaptação cinematográfica da música dando um novo fim a Geni. Afinal, há quase 50 anos jogam pedra nela. Esse novo destino a Geni nos traz grande motivação e sentido”, conta a produtora Iafa Britz. A música fez parte do musical Ópera do Malandro, de 1978.
O filme utiliza a mesma referência que o cantor usou para compor a música: o conto Bola de Sebo, do escritor francês Guy de Maupassant, que narra a história de uma prostituta fugindo da Guerra Franco-Prussiana: “Ao ler o conto Bola de Sebo, vi que a letra da música tinha uma guerra embutida em seus versos. Não é usada a palavra guerra mas há um zepelim com dois mil canhões! E na adaptação, resolvi ambientar a história nas disputas por terras que ocorrem de forma indiscriminada na região amazônica”, explica a diretora Anna Muylaert.
As filmagens serão realizadas na cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, durante dois meses. Além de Ayla Gabriela e Seu Jorge, o elenco conta também com Gero Camilo, Suzy Lopes, David Santos, Enio Cavalcante, Múcia Teixeira, Diego Homci, entre outros. Sérgio de Carvalho, diretor do consagrado Noites Alienígenas, assina como produtor associado. A direção de fotografia é de Bárbara Alvarez, a direção de arte é assinada por Rafael Ronconi e o elenco é de Gabriel Domingues. O figurino é de Alex Brollo e a caracterização de Sonia Penna; Gabriela Cunha assina o som direto e Flavia Tygel será a responsável pela trilha sonora.
A sinopse oficial diz: inspirado na canção homônima de Chico Buarque, o longa narra a história de Geni, prostituta de uma cidade ribeirinha, localizada no coração da floresta amazônica. Amada pelos desvalidos e odiada pela sociedade local, ela vê sua cidade sendo invadida por tropas lideradas por um tirano, conhecido como Comandante, que chega voando em um imponente zepelim, com um verdadeiro projeto de poder predatório para a região. Ele obriga todos a fugirem rio adentro, onde acabam presos. Porém, quando o Comandante vê Geni, ela percebe que talvez ainda haja uma chance de virar o jogo.
*Para ouvir a música de Chico Buarque, clique aqui.
Foto: Divulgação.