Fest Aruanda 2022: longas-metragens pernambucanos abrem mostras competitivas

por: Cinevitor
Verônica Cavalcanti, Zezita Matos e Fernando Teixeira do longa Bia, de Taciano Valério

Depois da noite de abertura, com exibições especiais e homenagens a Eliézer Rolim, Jurandy Moura e Zezé Motta, a 17ª edição do Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro deu início às mostras competitivas nesta sexta-feira, 02/12, no Cinépolis do Manaíra Shopping, em João Pessoa.

Na mostra Sob o Céu Nordestino, foram exibidos os curtas-metragens Calunga Maior, de Thiago Costa, sobre uma escritora, recentemente órfã, que decide se aventurar pelos becos da memória e seu relacionamento rompido com a mãe e a avó; e O Rebanho de Quincas, de Hipolito Lucena e Rebeca Souza, que narra a história de Joaquim, um simples pastor de ovelhas habitante do Cariri paraibano, que depois de uma noite mal dormida toma uma decisão importante.

Ainda na mesma mostra, o pernambucano Fim de Semana no Paraíso Selvagem, de Severino, abriu a competição de longas. Na trama, entre a margem de uma praia marcada por coqueiros tropicais e a margem oposta cravada de usinas e cargueiros, há um território de disputas desleais entre tubarões e peixes pequenos. É nele que Rejane, interpretada por Ana Flavia Cavalcanti, chega para tentar entender o que aconteceu com seu irmão, um exímio mergulhador encontrado morto em um mar cercado de sombras por todos os lados.

Com roteiro de Juliana Soares, Luiz Otávio Pereira, Maria Cardozo, Pedro Severien e Yuri Lins, a fotografia é assinada por Beto Martins; o elenco conta também com Joana Medeiros, Edilson Silva, Eron Villar, Luciano Pedro Jr., Enio Cavalcante e Zezé Motta.

O diretor Severino apresenta o filme ao lado da equipe

No debate, mediado pelo crítico Marcus Mello e que aconteceu no dia seguinte à exibição no Best Western Hotel Caiçara, o diretor falou sobre diversos assuntos relacionados ao filme: “Essa dimensão da especulação imobiliária é uma força de produção e concentração de riqueza histórica. Na história recente do Brasil, das principais metrópoles e capitais, isso vem com um disfarce da modernidade. Seria o desenvolvimento; o mercado imobiliário seria uma forma de salvação, de gerar empregos e supostamente se conectar a um espaço contemporâneo. Mas na real, não é. São as forças mais retrógradas que operam dentro do mercado imobiliário se utilizando de formas criminosas, do uso desse poder financeiro para gerar vantagens, para produzir espaços de exclusão e privatizar espaços públicos”.

E completou: “Eu comecei a me interessar por isso a partir de algumas experiências políticas e pessoais ligadas ao movimento Ocupe Estelita, no Recife; um movimento de luta pelo direito à cidade e uma mobilização de vários setores”.

Depois da mostra Sob o Céu Nordestino, a noite seguiu com a competitiva nacional. Entre os curtas-metragens, foram exibidos: a animação paulista Saindo Com Estranhos da Internet, de Eduardo Wahshaftig; o mineiro Tiro de Misericórdia, de Augusto Barros, com Isabél Zuaa e Johnny Massaro; e o documentário Carta para Glauber, de Gregory Baltz, do Rio de Janeiro.

Na sequência, foi exibido, em competição, o longa-metragem pernambucano Bia, de Taciano Valério, protagonizado por Verônica Cavalcanti. Na trama, Bia é uma mulher não alheia aos ditames de uma sociedade patriarcal e sexista, e que enfrenta, como tantas outras mulheres, as dificuldades em dar um não às práticas heteronormativas, misóginas e sexistas da sociedade em que vive. Doutoranda, investiga o lugar da mulher no espaço da luta da camponesa, traduzida nas mulheres sem-terra, que são personagens reais no filme, através delas Bia busca forças para romper de vez com as estruturas fundacionais do patriarcado, como casamento, família, valorizando o seu trabalho e a sua liberdade.

Bia é um filme de ficção que dialoga de forma concreta com a realidade e temas pertinentes em nossa sociedade; é ambientado em vários momentos em situações reais, filmadas no acampamento Normandia do MST, em Caruaru, agreste pernambucano, num misto de ficção e documentário. O elenco conta também com Zezita Matos, Fernando Teixeira, Beto Aragão, Jean Claude Bernardet, Bruno Goya e Rosberg Adonay.

O debate contou com a presença de representantes dos dois longas

No debate, que aconteceu no dia seguinte à exibição, o diretor marcou presença ao lado de alguns integrantes da equipe, entre eles: Carla Francine, produtora; João Maria, montador; e os atores Fernando Teixeira, Zezita Matos e Verônica Cavalcanti.

Sobre a ideia do filme, Taciano contou: “Eu tenho uma amiga chamada Beatriz e ela me inspirou. O filme não tem nada a ver com ela. Mas aconteceram muitas coisas em sua vida que me tocaram. Fui construindo essa história junto com a Verônica, que foi se abrindo completamente”.

A protagonista Verônica Cavalcanti falou sobre sua parceria com o diretor: “Desde 2012, quando conheci Taciano e fizemos Onde Borges Tudo Vê [longa lançado em 2012], não deixamos de nos comunicar, de trocar ideias sobre cinema, o que ele pretendia fazer, o que tinha feito. Criamos outros laços. Desde a primeira experiência com ele, trabalhamos em um cinema sem grana, feito na vontade. Eu segui realizando outros trabalhos e no momento de fazer Bia, ele me contou dessa vontade de fazer um filme que retratasse o universo feminino; a mulher em diversas frentes de atuação, suas batalhas, suas angústias, os abusos escondidos atrás dos afetos”

Taciano Valério também falou sobre o assentamento Normandia, do MST, em Caruaru: “As pessoas constroem, infelizmente, uma imagem midiática do MST. Quando passamos a conviver com eles, começamos a ficar envergonhados pela maneira de existir e coabitar nesse mundo urbano, pois eles são abertos a uma perspectiva de agricultura familiar. Além disso, a comunidade é povoada por mulheres que estão dentro da causa e também fazem criticas sobre esta causa”. Verônica completou: “Taciano falava muito sobre isso e das guerreiras do MST. Fiquei encantada com a ideia e com a proposta. Eu já tinha essa vontade de saber mais sobre o movimento”.

Ao final do debate, o diretor comentou sobre o protagonismo feminino: “O filme é povoado pelo feminino, algo que foi muito singular pra mim. Ouvir o feminino, a mulher, é simplificar em outras questões também. Eu me desarmava completamente para fazer as cenas. Foi um exercício nesse lugar de intimidade que se abre a partir da câmera com o universo e com as pessoas que estão próximas”, finalizou.

*O CINEVITOR está em João Pessoa e você acompanha a cobertura do evento por aqui, pelo canal do YouTube e pelas redes sociais: Twitter, Facebook e Instagram.

Fotos: Rizemberg e Mano de Carvalho.

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