Entrevista: Thomás Aquino e Rodrigo García falam sobre Curral, exibido na 44ª Mostra de São Paulo

por: Cinevitor

curral1mostraspThomás Aquino e Rodrigo García em cena.

Dirigido pelo cineasta pernambucano Marcelo Brennand, Curral faz parte da Mostra Brasil e da Competição Novos Diretores, dedicada a cineastas que realizam seu primeiro ou segundo longa-metragem, da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

Exibido virtualmente na plataforma Mostra Play e também no Belas Artes Drive-in, o filme é um drama político que acontece no interior do Brasil, no município de Gravatá, em Pernambuco. Durante as eleições, a população se divide entre as cores azul e vermelho, que representam os partidos políticos e lutam pelo poder desde sempre. Devido a seca, a água é a principal moeda de troca.

Thomás Aquino interpreta Chico Caixa, um homem humilde recrutado por seu amigo de infância Joel, papel de Rodrigo García, candidato a vereador, para ajudar na conquista de votos em um importante bairro da cidade. Chico é o ponto central para situações que vão questionar os processos eleitorais no interior do Nordeste. O elenco ainda conta com José Dumont e Carla Salle.

Em 2007, o diretor filmou o premiado documentário Porta a Porta, onde acompanhou o passo a passo de candidatos a vereador da cidade de Gravatá, no interior de Pernambuco, e as estratégias dos seus cabos eleitorais para conquistar os votos da população. Inspirado na trajetória de sucesso do documentário, que foi lançado em 2011, Marcelo criou a história de seu primeiro longa de ficção.

A direção de fotografia é de Beto Martins; a direção de arte é assinada por Juliano Dornelles e o figurino por Rita Azevedo. O roteiro foi escrito por Brennand, ao lado de Fernando Honesko e Marcelo Muller.

Para falar mais sobre Curral, entrevistamos os atores Thomás Aquino e Rodrigo García por e-mail. Confira:

O filme chega à 44ª edição da Mostra em época de eleições, algo que é retratado no longa. Vocês acreditam que isso possa reverberar ainda mais no público, além da identificação imediata com o tema?

Thomás Aquino: Eu espero que sim. Acredito que muitas pessoas estão cansadas dessa velha política, desde os tempos mais remotos da história e de como ela foi construída para favorecer apenas alguns. Esses gritos fortes, que estão ficando cada vez mais fortes, são gritos políticos; de pessoas pretas, o grito feminista, o grito das pessoas LGBTQIA+. São gritos de quem já cansou de ficar calado para esse tipo de política velha e conservadora. Espero que o filme possa reverberar as emoções de cada um e que possa também ser uma bandeira promovida pela cultura, que ensina como ter e dar o livre arbítrio para que cada um possa movimentar e tentar constituir uma sociedade mais sólida e beneficente para todos. Vai gerar uma identificação, sim, e espero que isso possa movimentar e mover algo dentro de nós.

Rodrigo García: Isso estimula o público que gosta de ver um filme que condiz com o que acontece no momento. Porém, entendo que a pandemia reduziu bastante a ida aos cinemas. Por isso, achei tão importante o filme ser disponibilizado até o dia 4 de novembro dentro da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. As pessoas podem assistir pagando apenas seis reais pelo site.

curral2mostraspPolítica, corrupção e eleições em cena.

Os personagens são estereótipos muito conhecidos do público e vocês os retratam muito bem. Como foi a construção desses personagens?

Rodrigo García: Acredito que os personagens de Curral são completamente reais. Temos pessoas no nosso governo que me parecem muito mais caricaturas do que os personagens do filme. Na construção de Joel, tentei entender o que leva um político a agir de maneira errada. Quis entender quais são as doenças psicológicas que nos levam a errar. Quais são os problemas que carregamos da nossa História que acabaram sendo “normalizados”? Penso que o personagem é um bom exemplo de até onde podemos errar até sermos colocados perante a consciência de nossas doenças sociais.

Thomás Aquino: Foi muito bacana construir o Chico Caixa. Primeiro porque eu vi o Porta Porta [documentário do Marcelo] e vivendo na cidade de Gravatá para esse processo deu para conhecer o cabo eleitoral e como as pessoas se comunicam diante da política. Também estive na zona rural, local que ainda é bastante castigado, e na zona urbana. Minha experiência de vida também ajudou, pois vamos agregando todos os conhecimentos. Foi importante estar na cidade e vivenciar com aquelas pessoas, perceber como funciona o assentamento, ouvir aqueles que ali habitam e que sofrem os castigos determinados por essa velha política. Com isso, agreguei muitas emoções, muitos sentimentos e muitas características para esse personagem. Também procurei colocar as características da política ética, que é a temática do filme. Sempre tem o jeitinho brasileiro de fazer as coisas e sempre tem o movimento de corrupção. Esse personagem acaba tentando ajudar e, de uma certa maneira, acaba se atropelando em suas constituições éticas. Eu também trouxe a questão da cultura social: é mais um homem preto que está sendo explorado por essa categoria política branca. Vemos muito essa questão na atual conjuntura social que vivemos. Eu trouxe essa cultura conservadora, o machismo tóxico desses homens. O personagem vai percebendo aos poucos como se organizar nessa estrutura cultural que foi concebida através de um patriarcado cultural. Foi muito bacana absorver tudo isso, viver as coisas no dia a dia. Tudo isso me levou a dar credibilidade ao personagem.

Curral coloca nossa realidade na telona: a briga entre partidos, a corrupção, a compra de votos, as promessas, os discursos ilusórios. O próprio diretor, Marcelo Brennand, acompanhou de perto as eleições de Gravatá, no Pernambuco, em 2007. Como foi o processo de entrosamento entre a direção e elenco; no caso de retratar com naturalidade aqueles acontecimentos que inspiraram o diretor e os roteiristas?

Rodrigo García: René Guerra é dono de grande crédito quando elogiam o elenco do filme. Ele foi responsável pelos ensaios e ajudou nas construções dos personagens. Um ponto interessante de Curral foi a mistura do elenco de atores experientes com os atores que não haviam trabalhado nesta posição anteriormente. Tornando o filme muito mais dinâmico e realista. Pra mim, esta mistura sempre é bem-vinda.

Thomás Aquino: Conhecer Marcelo foi massa porque eu pude ver o quanto ele é empolgado e o quanto quer falar sobre arte. Então, a minha empolgação junto com a dele deu bons resultados. Ele me mostrou o documentário [Porta a Porta] e me mostrou o roteiro baseado nesse documentário. Ele também me apresentou uma pessoa que tinha visualizado como Caixa [o personagem] e depois falou que eu transcendi o Caixa que ele imaginava. Isso é muito bacana! Você estar no local, viver com as pessoas, estudar sobre a temática principal do filme; tudo isso vai gerar naturalidade nas personagens. Dissecamos o roteiro juntos, coletivamente, com os outros atores e atrizes. Foram muitas reuniões para entender o que aquele roteiro queria falar. Isso realmente faz com que os discursos que estão ali escritos se tornem crível na boca desses personagens. Fora que a política é isso: o que a gente vê, o que a gente tá acostumado; vários políticos colocando dinheiro em cueca, meia… é um descaso na cara da sociedade! Tem toda uma corrupção que acontece, que se mostra nos jornais, e as promessas de campanhas e os mandatos que não se cumprem. Todo esse descaso, que já é a realidade, a gente perpassa trazendo mais dessa naturalidade, infelizmente. Mas, como modificar isso? Como que a gente pode transcender como ser humano numa sociedade em relação a isso? Espero que Curral possa mostrar mais ainda, junto com as outras provas que existem por aí, o quão estamos à mostra de tudo que está acontecendo e o que podemos fazer em relação a isso para que não continue.

Entrevista e edição: Vitor Búrigo
Fotos: Daniela Nader.

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