Carro Rei, de Renata Pinheiro, é exibido no 49º Festival de Gramado; elenco e equipe falam sobre o filme

por: Cinevitor
Matheus Nachtergaele em cena: fantasia e drama social.

A noite de quarta-feira, 18/08, da 49ª edição do Festival de Cinema de Gramado começou com a mostra competitiva de curtas-metragens, que exibiu Aonde Vão os Pés, de Débora Zanatta, e Memória de Quem (não) Fui, de Thiago Kistenmacker. Além disso, La teoria de los vidrios rotos, uma coprodução entre Uruguai, Brasil e Argentina, dirigida por Diego Fernández Pujol, foi exibida na mostra de longas estrangeiros.

Entre os longas brasileiros em competição, Carro Rei, de Renata Pinheiro, foi o destaque da sexta noite do festival. No início dos anos 2000, o nascimento de uma criança dentro de um carro recém-saído da concessionária, provoca um evento fantástico. O bebê cresce e se torna uma espécie de criança transumana que tem a habilidade de se comunicar com carros. Ele é Uno da Silva, vivido por Luciano Pedro Jr. Uno e o carro crescem juntos e são melhores amigos, ao lado de Zé Macaco, seu tio, interpretado por Matheus Nachtergaele, um mecânico de ideias pouco convencionais. Mas, um acidente os separa. A criança se torna um jovem ativista ambiental, afastando-se de seu dom único e da tradição familiar. O carro é exilado junto com Zé Macaco num ferro-velho desativado. 

Combinando fantasia e drama social, o filme fez sua estreia mundial no Festival de Roterdã, em fevereiro, e vem participando de diversos festivais ao redor do mundo. Neste longa, Renata Pinheiro, de Açúcar, volta a trabalhar com o diretor e roteirista Sergio Oliveira, seu marido e com quem trabalha desde seu primeiro curta, chamado Superbarroco, com quem codirigiu vários filmes. A equipe conta também com o corroteirista Leo Pyrata e com o diretor de fotografia argentino Fernando Lockett, com quem trabalhou em Amor, Plástico e Barulho.

O elenco apresenta Jules Elting, de O Ornitólogo, com carreira sólida no teatro e há alguns anos emergente no cinema internacional de arte; além de Clara Pinheiro, filha de Renata e Sergio; Adélio Lima, Ane Oliva e Tavinho Teixeira.

No dia seguinte à exibição, alguns integrantes da equipe e do elenco participaram de um debate virtual, que foi mediado pelo jornalista Roger Lerina. Marcaram presença: a diretora Renata Pinheiro; o produtor e corroteirista Sergio Oliveira; e os atores Matheus Nachtergaele, Luciano Pedro Jr., Jules Elting e Clara Pinheiro.

Questionada sobre a ideia, Renata comentou: “Esse filme foi concebido há alguns anos em função de uma transformação da sociedade brasileira recente. O Brasil tem uma tendência de absorver a tecnologia de uma forma muito rápida. O carro faz parte desse ser moderno que é o brasileiro. Mas, na verdade, o filme é sobre o quão estamos nos transformando também nesse homem tecnológico e o quanto podemos nos desumanizar nesse processo. A diversidade que o filme apresenta é para mostrar como tudo isso afeta; cada pessoa e cada camada social”.

Sonhos e histórias: Jules Elting em cena.

Sergio Oliveira, que também assina o roteiro e a produção, completou: “O prenúncio desse filme é um curta que realizamos chamado Praça Walt Disney [lançado em 2011], no qual fizemos uma coreografia de carros no bairro de Boa Viagem, no Recife. Carro Rei tem, sim, referências de David Cronenberg e John Carpenter, mas tem também Fuscão Preto [filme dirigido por Jeremias Moreira Filho e lançado em 1983], que o Leo [Pyrata, corroteirista] é apaixonado. A ideia do personagem Zé Macaco, por exemplo, também já estava prenunciada em outro roteiro que eu tinha feito e cresceu com o Matheus [Nachtergaele], que personificou tão bem, cheio de camadas e gestos psicológicos e corporais. Foi um longo trabalho, com um roteiro modificado várias vezes, e muito ousado até para nós. Sempre temos uma inquietação de fazer filmes observando a realidade e daqui partir para um realismo mais mágico”.

Sobre seu personagem, Matheus Nachtergaele ressaltou: “Eu recebi o desafio com uma alegria imensa por motivos especiais, já que conheço Renata e Serginho há muito tempo, pois fizemos os três primeiros filmes do Cláudio Assis juntos. Com isso, formou-se um grupo amoroso de amigos em Pernambuco. Eu sou um ator da retomada do cinema brasileiro e também do cinema pernambucano. Aqui, há uma inversão dos papeis: quando Renata como uma grande diretora, que fez a direção de arte do meu longa A Festa da Menina Morta [premiado em Gramado, em 2008], me chama para ser ator dela, já era um sim emocionalmente. Mas quando ela me contou o roteiro, naquele momento eu quis fazer e já comecei a criar o Zé Macaco”.

O ator Luciano Pedro Jr. elogiou o trabalho da diretora: “Ter sido dirigido pela Renata foi incrível. O trabalho que ela vem realizando ao longo dos anos é muito contundente e com muita potência. Você vem percebendo que ela tem feito um trabalho de elenco muito forte, de forma muito incrível com as pessoas que estão encarnando esses personagens. Acredito muito no trabalho dela como um trabalho em conjunto, que para o ator é como se ele fosse mais do que um elemento na tela que compõe o grande quadro. Ela consegue fazer uma combinação muito equilibrada e perfeita de como o elenco pode ser uma potência junto com a plasticidade dos cenários e dos lugares que ela escolhe filmar”.

Jules Elting, que morou dez anos no Brasil e trabalhou no Teatro Oficina, falou diretamente de Berlim sobre sua experiência em Carro Rei: “Foi muito forte compartilhar essa história. Tudo estava no roteiro criado por eles, mas casou muito bem comigo. Me conectei imediatamente com a Renata. Esse filme tem muitas camadas e cada um pega uma coisa que fala mais alto para si. E tem uma aspecto feminista que eu acho muito interessante, que é como os personagens femininos foram escritos, como Amora e Mercedes; não é tão comum ver esse tipo de personagem feminino em um filme, esse jeito que elas lutam e que se colocam no mundo. Isso me interessou muito. Queríamos passar uma mensagem do nosso coração, de como ser mulher nesse mundo, de poder viver a sexualidade e de se conectar com as pessoas. Não era só fazer um filme, mas todo mundo no set estava em uma missão de contar algo maior do que nós”

Clara Pinheiro, filha de Renata e Sergio, falou sobre dividir o set com os pais: “Eu fico muito orgulhosa pela equipe e me sinto muito grata por fazer parte desse elenco. Não só por estar realmente em família, mas eu me senti em família no set porque tinha uma energia muito boa fluindo. Sentíamos que aquilo era muito maior do que cada um individualmente, pois existia uma coletividade. Eu lembro que no meu primeiro dia de filmagem eu chorei muito; pela pressão do primeiro dia e também de filmar com a minha mãe, apesar de eu me sentir completamente aberta para falar qualquer coisa com ela. Mas tinha a pressão de querer fazer muito bem, por ser minha mãe, claro, mas por ser uma diretora muito exigente e sensível”.

Sobre o filme, Matheus concluiu: “Eu tenho pra mim que o filme é uma fábula e como toda fábula ele carrega como base um inconsciente forte que precisa ser significado e que precisa de símbolos. Acho que muitas coisas são ditas no filme, coisas profundas da nossa realidade interior e exterior. Eu comecei a sonhar com a Renata desde o começo. Foi uma viagem fazer o filme, foi uma delícia. Não foi nada careta. É um filme cheio de perguntas, tentativas de respostas e é arriscado; no sentido de propor um cinema para o Brasil com caminhos novos, de criticar e sentir o país. E tentar tornar visível alguns dos nossos pesadelos e sonhos. Espero que as pessoas tenham saboreado como eu saboreei as provocações do filme. Acho que o cinema brasileiro é bonito porque é arriscado, não obedece uma narrativa americanizada, é cheio de cores, denúncias, cheio de tesão e agora cheio dessas novas coisas do mundo atual, essa pornotecnologia fascista”.

As exibições dos longas-metragens brasileiros acontecem entre 13 e 19 de agosto, a partir das 21h30, na grade linear do Canal Brasil, para toda a base de assinantes, e nos serviços de streaming Canais Globo e Globoplay + Canais ao Vivo somente durante o horário da exibição na TV.

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Fotos: Divulgação/Boulevard Filmes.

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