A Primeira Morte de Joana, de Cristiane Oliveira, é exibido no 49º Festival de Gramado

por: Cinevitor
Letícia Kacperski e Isabela Bressane em cena.

A noite de terça-feira, 17/08, da 49ª edição do Festival de Cinema de Gramado começou com a mostra competitiva de curtas-metragens, que exibiu o gaúcho Eu Não Sou um Robô, de Gabriela Lamas, e o pernambucano Per capita, de Lia Leticia. Além disso, o chileno Gran Avenida, de Moises Sepulveda, foi o representante da mostra de longas estrangeiros.

Entre os longas brasileiros em competição, A Primeira Morte de Joana, dirigido por Cristiane Oliveira, de Mulher do Pai, foi o destaque da quinta noite do festival. O filme tem como protagonista Joana, uma adolescente cuja vida começa a se transformar a partir da morte de sua tia-avó, de quem ela era muito próxima. Isso acaba refletindo também na relação com sua melhor amiga, Carolina. Além de impressionada com a morte em si, Joana também começa a questionar uma história que corre na família: sua tia nunca namorou alguém, nunca se apaixonou. Em sua investigação, parece querer descobrir o segredo da tia para entender o que ocorre com ela mesma.

O longa traz personagens descendentes dos colonos alemães que se estabeleceram no sul do Brasil no século XIX. Marcas dessa origem permeiam o cotidiano de Joana e Carolina. E, apesar de situado em 2007, o filme dialoga com o Brasil do presente e seu cenário de retrocesso nas políticas públicas ligadas a gênero e sexualidade. O elenco conta com Letícia Kacperski, Isabela Bressane, Joana Vieira, Lisa Gertum Becker, Rosa Campos Velho, Pedro Nambuco, Roberto Oliveira, Graciela Caputti e Emílio Speck. A equipe técnica traz ainda renomados profissionais gaúchos, como o diretor de fotografia Bruno Polidoro, a montadora Tula Anagnostopoulos e a diretora de arte Adriana Nascimento Borba.

No dia seguinte à exibição, algumas integrantes da equipe e do elenco participaram de um debate virtual, que foi mediado pelo jornalista Roger Lerina. Marcaram presença: a diretora Cristiane Oliveira; a produtora Aletéia Selonk; e as atrizes Letícia Kacperski e Joana Vieira.

Cristiane, que assina o roteiro ao lado de Silvia Lourenço, falou sobre a parceria com a corroteirista e a ideia do projeto: “É uma história que surgiu da vontade de falar sobre coragem. Pensamos sobre todas as questões que cruzam a formação dos nossos afetos e que são diversas desde a infância: as piadinhas em família, os preconceitos ligados a gênero e orientação sexual e as violências contra a mulher que acabam sendo naturalizadas. A ideia surgiu dessa minha troca com a Silvia e dessa vontade de abordar essas questões e de como essas opressões vão se conectando e interferindo na formação dos nossos afetos”.

Letícia Kacperski, que interpreta a protagonista Joana, falou sobre sua estreia em um longa-metragem e a preparação para a personagem: “Pra mim era tudo muito surreal, foi uma estreia muito especial. Tivemos uma preparação forte com Vanise Carneiro e meses antes das filmagens nos encontrávamos com a Cris para trabalhar algumas cenas. Foi muito especial. A Isa [Isabela Bressane], que interpreta a Carolina, virou uma super amiga. Atuar com ela era muito prazeroso. Com todos, inclusive. Guardo todos eles com muito carinho”

A atriz Joana Vieira, que interpreta a mãe da protagonista, também comentou: “Foi um privilégio estar com uma equipe feminina tratando de temas tão importantes. A personagem Lara foi um grande presente e desafio; de transformação e descobertas que foram proporcionadas. Além disso, vi muita semelhança do meu dia a dia com a personagem da Joana. Eu sou uma mulher lésbica, que hoje vivo isso tranquilamente na minha vida. Eu consigo lembrar de muitas questões que eu precisei passar. É tão bom poder contar essa historia para todo mundo e fazer as famílias dialogarem com tanta leveza e sensibilidade. Eu me emociono muito acompanhando a trajetória dessas mulheres”

Debate virtual com a equipe.

Cristiane também falou sobre a recepção do público no Festival Internacional de Cinema da Índia, no qual o filme fez sua estreia mundial: “Na Índia foi muito emocionante porque sabemos que em algumas culturas a mulher ainda atem um segundo lugar de importância na sociedade. Eu tive um retorno positivo de homens da plateia, que gostaram de ver a intimidade feminina retratada desse jeito. Uma outra jovem me disse que tinha vivido aquilo naquela semana. É muito gostoso quando um filme se conecta com uma cultura tão diferente da nossa e, com isso, percebemos que talvez não seja tão diferente assim. Foi uma experiência muito intensa e importante”.

A produtora Aletéia Selonk, da Okna Produções, falou sobre o time feminino que trabalhou no longa: “A equipe envolvida é também uma equipe plural. Claro que essa presença feminina naturalmente vem desde a equipe de base da Okna Producoes, também do universo criado pela Cristiane, com colaboração da Silvia, e desse elenco com fortes protagonistas femininas. Foi um time escolhido a dedo, no que diz respeito a manter essa presença feminina e garantir esse espaço de voz e liderança feminina na produção audiovisual em várias pontas do longa. A equipe contou diretamente com 45 pessoas nas filmagens; no processo como um todo, esse número dobra. A presença das mulheres representou a grande maioria com 70% do espaço de trabalho, criação e colaboração artística”.

E completou sobre a presença feminina no audiovisual brasileiro: “Nossa luta pela equidade de gênero e participação das mulheres no mercado audiovisual é uma luta que transpassa. Nosso mercado é um exemplo do que vivemos na sociedade como um todo. A presença das mulheres é bastante significativa e inegável para todos os olhares da sociedade brasileira e essa grande participação precisa ser ainda mais evidente; não apenas no sentido das responsabilidades, mas também nessa possibilidade de se expressar, ter voz e ocupar esses espaços com respeito e condições iguais de trabalho. Quando a gente discute e age em prol dessa equidade de gênero, estamos falando das mesmas oportunidades com o mesmo espaço e respeito. No Brasil, viemos de um histórico de limitações nesse sentido e, como produtora, fico muito feliz em levar para as telas histórias criadas por mulheres e que demonstram esse universo para tantas outras audiências. Tem também a questão de se identificar com o que a gente vê; de representação, de reconhecimento. É  a mudança que queremos ver. Estar em Gramado dá ainda mais visibilidade para isso”.

Cristiane Oliveira também falou sobre seu processo de criação: “O olhar externo me interessa para o desenvolvimento de histórias; essa possibilidade de adquirir uma nova perspectiva que pode acontecer em qualquer idade. O que me interessou mais foi investigar como essa estrutura familiar acaba sendo uma estrutura em que o conceito de cuidado se choca com o conceito de autonomia. O que é pra ser proteção acaba sendo uma violência. A intimidade me interessa muito também. A família parece uma estrutura onde o laço de sangue já traz essa prerrogativa de que qualquer um pode entrar na intimidade do outro. Acho isso muito interessante como base para desenvolvimento de narrativa, de investigação de conflitos”.

E finalizou: “Essas realidades que me tiram do meu local de conforto, que no caso é mais urbano, me interessam para investigar realidades que eu desconheço e que fazem parte da nossa história. É muito bom tratar dessas misturas e dessa diversidade que está na nossa construção como povo gaúcho. Me interessa investigar essas raízes”

As exibições dos longas-metragens brasileiros acontecem entre 13 e 19 de agosto, a partir das 21h30, na grade linear do Canal Brasil, para toda a base de assinantes, e nos serviços de streaming Canais Globo e Globoplay + Canais ao Vivo somente durante o horário da exibição na TV.

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Foto: Divulgação e Ag. Pressphoto.

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