9º Olhar de Cinema: filmes brasileiros ganham destaque na programação e repercussão on-line

por: Cinevitor

cabecadenegoolhardecinemaLucas Limeira em Cabeça de Nêgo, de Déo Cardoso.

O Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba tem como objetivo destacar e celebrar o cinema independente realizado em todo mundo e apresenta filmes que se arriscam em novas formas de linguagem cinematográfica, que estão abertos ao experimentalismo e que possuem um grande potencial de comunicação com o público. Com isso, forma-se uma programação de grande diversidade temática e estética, que não rejeita gêneros, formatos e durações.

Neste ano, por conta da pandemia de Covid-19, sua nona edição teve que ser adaptada ao formato virtual. Sendo assim, a seleção com aproximadamente 130 filmes, como acontece de costume, teve que ser reduzida por diversos motivos. Mas, nem por isso, a programação perdeu qualidade. Mesmo sem algumas tradicionais mostras, como Olhares Clássicos, Olhar Retrospectivo e Pequenos Olhares, o festival também conseguiu atrair seu público com outras atividades, além dos filmes, e ganhou uma abrangência ainda maior por conta das sessões on-line.

Mesmo sendo um festival internacional, o Olhar de Cinema sempre valorizou o cinema brasileiro e também paranaense, ao garimpar o que há de mais precioso e urgente nessas cinematografias, garantindo cuidado especial ao programar tais obras. Além da mostra Olhares Brasil, que apresenta um panorama de curtas e longas brasileiros, o festival busca compor mostras que mesclam filmes brasileiros e estrangeiros possibilitando o diálogo e a troca entre todos esses universos.

Neste ano, 78 títulos completam a programação, entre longas e curtas, sendo 41 filmes brasileiros. As produções nacionais também ganham destaque na mostra Foco, que celebra a trajetória do diretor Daniel Nolasco.

Sobre a forte presença brasileira na programação, conversamos com Eduardo Valente, que é membro da equipe de programação do Olhar de Cinema desde 2016. Neste ano, ao lado de Aaron Cutler, Carla Italiano e Camila Macedo, assinou a curadoria de longas-metragens: “Eu acho que um festival que acontece no Brasil tem obrigação, tanto ética e moral, de estar envolvido no todo que significa o cinema brasileiro. Temos uma produção tão vasta hoje em dia, tão ampla de possibilidades e tão interessante. Tem oferta de todos os tipos”, ressaltou.

ventosecoqueerlisboa2020Leandro Faria Lelo em Vento Seco, de Daniel Nolasco: sessões disputadas.

Fato é que os festivais realizados em formato on-line ganharam uma abrangência maior. Filmes que antes ficavam limitados ao público presencial, agora estão disponíveis para o Brasil todo. Com isso, a repercussão ganha outras proporções, principalmente nas redes sociais, com comentários diversos (não só de críticos, mas do público em geral) e uma divulgação ainda maior por parte das equipes dos filmes: “Claro que os realizadores e produtores têm feito um movimento muito grande de mobilizar atenção e público. Eu não tenho esses dados exatos, porque quem coleta isso é a produção em Curitiba, mas pelo que eu soube de cinco ou seis sessões lotadas nesse formato on-line, quase 70% ou 80% foram de filmes brasileiros. Além das informações e do interesse das pessoas sobre o festival e os filmes em geral, os próprios produtores e realizadores fazem uma divulgação muito específica”, comentou Valente.

Esse novo formato também tem agradado os realizadores: “O feedback do público foi muito incrível nas redes sociais depois da primeira sessão”, disse Henrique Arruda ao CINEVITOR, diretor do premiado curta Os Últimos Românticos do Mundo, que será exibido novamente nesta segunda-feira, 12/10.

Pedro Diogenes, diretor do longa Pajeú, que reprisa na quarta-feira, 14/10, destacou o alcance da primeira sessão virtual do filme: “Estou surpreendido e feliz com a repercussão do Pajeú. Estou recebendo muitos retornos calorosos. Ler sobre o filme e as experiências com o Pajeú está suprindo um pouco as trocas dos corredores e debates dos festivais. Várias pessoas que viram o filme estão fazendo questão de escrever alguma coisa, mandar uma mensagem e conversar. Os filmes, os espectadores, o festival, nós (os diretores e diretoras), vocês (crítica), todos estamos tentando se adaptar ao momento e, de alguma forma, estamos sobrevivendo”.

Sobre esse novo formato, Henrique Arruda completou: “Tem sido absurdamente diferente de todas as minhas experiências anteriores. É muito lindo sentir que o filme tem sido um respiro bom para as pessoas a cada nova sessão; e pela primeira vez eu vejo que a obra em si vai formando um público fiel que nos acompanha e divulga a cada nova exibição online. Isso tem sido muito carinhoso, apesar de não substituir o calor do encontro que uma sala de cinema de festival proporciona”.

romanticosdomundomexicoCarlos Eduardo Ferraz no curta Os Últimos Românticos do Mundo, de Henrique Arruda.

Com um público fiel de várias partes do Brasil, alguns festivais virtuais também precisam limitar o número de ingressos e visualizações por conta de contratos de exibição com produtoras, distribuidoras, entre outros. Algo parecido com o que acontece no formato presencial, no qual as salas possuem um número exato de ingressos, sujeito a lotação máxima; algo que quase sempre acontece. “Existe muito interesse pelas obras, mas também existe a dificuldade do acesso aos filmes e o on-line quebra um pouco isso”, comenta Eduardo Valente.

Outro lado positivo destes festivais virtuais é o acesso aos filmes brasileiros, que, mesmo premiados e muito comentados durante tal evento pelo público presente, acabavam perdendo força até o lançamento, seja pela pequena janela de exibição comercial ou dificuldades de conseguir uma distribuição. Com essa propagação da divulgação constante nas redes sociais, filmes que talvez não conseguissem tal alcance anteriormente, agora estão sendo vistos e falados por mais tempo por espectadores diversos. A disponibilidade dessas obras em vários festivais que adotaram esse novo formato, faz com que elas fiquem em evidência em um prazo maior, gerando interesse de outras pessoas que talvez não teriam acesso a esses títulos.

Sobre esse assunto, Eduardo Valente cita dois exemplos: Cabeça de Nêgo [de Déo Cardoso] foi exibido em Tiradentes, em janeiro, no formato tradicional. Teve uma recepção muito forte na sala, na sessão, nos textos. Semana passada, ficou disponível on-line na Mostra Tiradentes SP e teve uma quantidade enorme de pessoas do país inteiro que acabaram vendo o filme, que não tinham como ver antes, mas que já tinham ouvido falar em um momento inicial. Os festivais chamam atenção para os filmes, despertam interesse e curiosidade, mas como e quando as pessoas vão assistir? Nos cinemas, muitas vezes, demora muito e quando chega passa muito rápido. Então, a Mostra Tiradentes SP trouxe o filme de volta, com uma reação ainda maior. E agora entrou no Olhar e está sendo muito procurado”.

“Mesma coisa com Sertânia [de Geraldo Sarno]. Passou em Tiradentes e no Ecrã e teve uma reação incrível; no Letterboxd, por exemplo, tem quase mil visualizações. Depois de ter ficado também de graça quase dez dias no mês passado, agora está no Olhar com sessões cheias e as pessoas interessadas porque as informações estão circulando e os filmes estão disponíveis”.

pajeuolhardecinemaYuri Yamamoto e Fátima Muniz em Pajeú, de Pedro Diogenes.

A disputa por um destaque digno no circuito comercial destes filmes brasileiros, considerados independentes, não é de hoje e torna-se quase impossível conseguir um lugar ao sol entre tantos títulos de super-heróis e outros blockbusters que dominam as bilheterias. “Claro que ninguém acha que Sertânia ou Canto dos Ossos vai ter 3 milhões de espectadores como Minha Mãe é uma Peça. Isso não é da natureza destes filmes. Mas, agora, estão mais acessíveis para muita gente, que inclusive sabem que eles existem. Mas aí vem a questão: e depois dos festivais? Quanto tempo leva para esses filmes estarem disponíveis efetivamente para as pessoas? Essa oportunidade de ocupar um lugar quase de serviços de streaming, com extrema curadoria e divulgação, tem comprovado como tem demanda, principalmente por esses filmes brasileiros”.

Por conta de festivais como o Olhar de Cinema, títulos nacionais, não só premiados internacionalmente, têm sido enaltecidos pelo público e pela crítica; principalmente os curtas, que, geralmente, possuem uma janela de exibição quase que restrita a esses eventos e não chegam ao grande público. “Eu senti que a equipe do festival encontrou uma forma bacana de deixar o filme acessível para o Brasil inteiro. Dessa forma, conseguimos atingir novos públicos e estou recebendo muito feedback bacana, de pessoas do Brasil todo. Mesmo não estando lá presencialmente para comentar sobre, temos encontrado novas formas de chegar ao número máximo de pessoas possíveis. É isso que a gente quer, na verdade, que o filme seja visto”, disse Sávio Fernandes, que divide a direção de Noite de Seresta com Muniz Filho. O curta, em competição, reprisa na terça-feira, 13/10.

sertaniacenaexclusivaVertin Moura em Sertânia, de Geraldo Sarno: sucesso de público.

A imprensa, acostumada a cobrir os festivais de cinema de forma presencial, também precisou se adaptar ao novo formato e analisa, para os próximos anos, edições multiplataforma: “A pandemia nos trouxe muitos desafios que foram parcialmente contornados pela virtualização das coisas. Há um lado muito positivo com os festivais on-line. Filmes que nem todos veriam nascer nesse eventos pela incapacidade de deslocamento acabaram alcançando um público vasto ao serem disponibilizados na internet e isso colabora fortemente com o acesso e a democratização dessas obras e desses eventos de cinema. Acredito que temos muito a aprender com essa experiência, mas também devemos ter em mente que esse é um ano de exceção”, declarou Diego Benevides, jornalista, crítico, curador e pesquisador de cinema, membro da Abraccine, Associação Brasileira de Críticos de Cinema, e da Aceccine, Associação Cearense de Críticos de Cinema.

E completou: “Os festivais de cinema são, per si, eventos que agregam muito mais do que a simples exibição de filmes. Um festival se dá nos debates, nas conversas pós-sessão, nos encontros, nas relações que se estabelecem em sua vivência presencial a partir de um ritmo próprio que esses eventos impõem a quem participa deles. Talvez seja a hora de, a partir dessa experiência pandêmica, propor novos formatos para o futuro, apostando na união tanto da programação presencial quanto online e na ampliação do alcance dessas obras, que é o mais importante”.

noitedeserestaolhardecinemaKatia Blander no curta Noite de Seresta.

A curadoria da nona edição do Olhar de Cinema tem sido elogiada com frequência nas redes sociais, tanto pelo público como pelos realizadores: “Sempre desejei participar do Olhar de Cinema porque considero uma das melhores curadorias atualmente no circuito de festivais: criteriosa e criativa”, disse a cineasta Paula Gaitán, em entrevista ao CINEVITOR. Seu filme Luz nos Trópicos, exibido no Festival de Berlim, está na mostra competitiva e reprisa na terça-feira, 13/10.

O cineasta cearense Pedro Diogenes também falou sobre isso: “Sempre tive vontade de participar do Olhar de Cinema. Acompanhei de longe as edições anteriores com muita curiosidade, pois o festival sempre prezou por uma curadoria corajosa e instigante. Me mantinha atento para ver os filmes que tinham passado no Olhar pois sempre era garantia de uma boa experiência. Os outros realizadores e realizadoras com quem conversava sobre o festival sempre falaram com muito carinho do Olhar. Então, a vontade de passar aqui sempre foi enorme. Neste ano, esse desejo se tornou realidade. Um ano atípico, com um festival virtual. Mas mesmo à distância estou conseguindo sentir toda a potência do festival e o carinho com eles tratam os filmes”.

“Outra coisa que eu percebi é que todos os meus amigos estavam marcando os mesmos filmes no Letterboxd, todos do Olhar. E achei isso incrível. Mesmo cada um em suas casas conseguimos preservar esse espírito de coletividade”, comentou Sávio Fernandes.

Como de costume, um festival de cinema é pensado para acontecer dentro da sala de cinema. Porém, vale destacar o esforço dos organizadores em manter esses eventos de forma virtual por conta de sua importância, principalmente para o setor audiovisual brasileiro. “Os festivais estão, ao mesmo tempo suprindo uma série de demandas e trazendo uma série de coisas interessantes, mas também demonstrando como ainda há gargalos e dificuldades; como esse mercado é difícil de enfrentar algo que parece tão simples que é o interesse das pessoas pelos filmes e a capacidade de acessá-los ou não”, finaliza Eduardo Valente.

Ainda que nossa cultura esteja sob ameaça constante, é preciso resistir e tentar olhar para frente com esperança. O desmonte da cultura brasileira é assustador, mas é na arte que retratamos nossas histórias e personagens. Esses registros, que se multiplicam em diversas telas e formatos, ficam marcados para sempre e ajudam a enaltecer nossos profissionais e suas obras. Assim como os festivais de cinema e seu público fiel. Seja virtual ou presencial.

Entrevistas e edição: Vitor Búrigo
Fotos: Divulgação.

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