8°Olhar de Cinema: segunda parte da seleção da Mostra Olhares Clássicos é divulgada

por: Cinevitor

renegadosvardaolharcinemaSandrine Bonnaire e Agnès Varda nos bastidores de Os Renegados.

A mostra Olhares Clássicos da oitava edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Cinema de Curitiba, que acontecerá entre os dias 5 e 13 de junho, complementa a lista dos filmes a serem exibidos neste ano. Serão diversas homenagens e celebrações que somam-se à primeira parte da programação divulgada anteriormente.

Uma das celebrações é o 50º aniversário de O Funeral das Rosas, de 1969, dirigido por Toshio Matsumoto, uma desconcertante obra-prima japonesa que desafia gêneros cinematográficos e cuja recente restauração pela Arbelos Films terá sua estreia brasileira no Olhar de Cinema. Matsumoto, hoje considerado uma figura-chave para o cinema experimental japonês, escalou não-atores que trabalhavam em bares e boates da cena LGBTQ local para uma releitura de Oedipus Rex transposto para a Tóquio contemporânea. Seu primeiro longa-metragem contém uma ousada mistura hiper-editada de elementos de ficção e documentário, incluindo entrevistas nas quais alguns dos autodenominados “garotos gays” falam sobre sua forma particular de compreender a interpretação de papeis, cenas que ajudam a transformar O Funeral das Rosas em um dos clássicos do cinema queer.

Recentemente, a série de filmes L.A. Rebellion tem sido exibida em diversas cidades brasileiras, trazendo consigo pérolas de cineastas independentes negros dos Estados Unidos e da África que trabalharam em Los Angeles entre os anos 1960 e 1990. Para homenagear a força duradoura dessas obras, o Olhar de Cinema apresentará um dos maiores filmes do movimento, Filhas do Pó (1991), o primeiro longa-metragem de sua mais importante realizadora, Julie Dash, recentemente restaurado pela Park Circus. Este encantador e criativo filme mistura uma variedade de formas musicais, rítmicas e narrativas para apresentar as moradoras femininas de uma ilha ao largo da costa do sul dos Estados Unidos às vésperas de uma migração para o continente e suas tentativas de conciliar suas raízes na África Ocidental com a vida em um mundo novo.

O Olhar de Cinema também reafirma seu compromisso com o cinema africano, dando sequência à retrospectiva do ano passado que nos trouxe os filmes de Djibril Diop Mambéty. Neste ano, o festival homenageia outro grande cineasta do continente, o mestre mauritano Med Hondo, que faleceu em março deste ano, deixando para trás uma pequena, porém indelével e terna filmografia repleta de uma justa indignação com o impacto do colonialismo sobre a psique de seu povo. O primeiro longa-metragem de Hondo, o filme docu-ficcional Ó, Sol (1970), restaurado pela Cineteca di Bologna como parte do recém-inaugurado African Film Heritage Project, acompanha um trabalhador imigrante africano na França que luta para resguardar suas forças em meio a visões macabras e injúrias diárias. O filme de Hondo, frequentemente surreal e se assemelhando a uma colagem, foi premiado com o Leopardo de Ouro no Festival de Locarno, em 1970, e até hoje detém uma força esmagadora com seu chamado para que os espectadores libertem seus corpos e mentes das mais variadas formas de escravidão.

funeralrosasolharcinemaCena de O Funeral das Rosas, com Pîtâ, de Toshio Matsumoto.

O festival também homenageia uma figura icônica do cinema narrativo europeu, com uma exibição de seu quinto e talvez mais influente longa-metragem, também restaurado pela Cineteca di Bologna, em colaboração com a Minerva Pictures. Bernardo Bertolucci, falecido em novembro do ano passado, criou uma das mais belas experiências fotográficas e cenográficas com O Conformista (1970), um filme de época que acompanha a trajetória entre as duas guerras mundiais a partir de um intelectual autopunitivo, interpretado por Jean-Louis Trintignant, que busca eliminar todos os traços da sua criação familiar aliando-se e conformando-se com as exigências da polícia secreta de Mussolini. Bertolucci foi um conspícuo diretor autoral, capaz de abalar seu público a cada novo filme através dos comportamentos e ações perturbadoras de seus personagens, frequentemente em momentos do passado recente que o diretor reinventava para comentar as tensões e divisões políticas da Itália moderna. O pensador marxista sempre se utilizou do limite dos seus orçamentos para criar um efeito arrebatador e inquietante – no caso de O Conformista, para expor lado a lado o terror e o encanto atemporal do fascismo.

Outra homenageada do Olhar de Cinema este ano é uma autora menos conhecida que faleceu no dia da abertura da edição de 2018 do festival. O público brasileiro teve poucas oportunidades de conhecer o trabalho da diretora russo-ucraniana Kira Muratova, cujo filme Conhecendo o grande e vasto mundo (1978) será exibido em um DCP restaurado fornecido pelo National Oleksandr Dovzhenko Film Center. Essa obra lírica e excêntrica retrata um triângulo amoroso entre três pessoas itinerantes ao mesmo tempo que explora a avivada paisagem rural que os rodeia. Nunca houve outro grande cineasta cuja obra fosse simultaneamente tão vulnerável e provocadora, tão tenra e combativa, e tão intimamente épica quanto os filmes de Muratova, uma artista libertadora sempre ávida por surpreender.

Por fim, o Olhar de Cinema prestará homenagem a uma das verdadeiras gigantes do cinema, que nos deixou há poucas semanas: Agnès Varda, uma cineasta sagaz e encantadora nascida na Bélgica, radicada na França, cujo último filme, Varda por Agnès será em breve lançado nos cinemas brasileiros. O festival exibirá uma cópia digital restaurada da mK2 Films de um dos seus filmes mais celebrados, Os Renegados, de 1985: um retrato áspero e melancólico de uma jovem mulher mendiga, interpretada por Sandrine Bonnaire, cuja incansável busca por abrigo e amparo no interior da França é apresentado em flashbacks após sua morte. Ao curso da longa e prolífica carreira de Varda, a diretora criou sua própria combinação de documentário e ficção com a meta de transmitir máximas verdades emocionais sobre a existência humana moderna. Ela sempre teve uma atenção especial às pessoas que vivem nas margens da sociedade e Os Renegados exibe a afetividade emblemática de seu olhar.

Confira a programação completa da Mostra Olhares Clássicos:

O Funeral das Rosas (Funeral Parade of Roses), de Toshio Matsumoto (Japão, 1969)
Filhas do Pó (Daughters of the Dust), de Julie Dash (EUA, 1991)
Ó, Sol (Soleil Ô), de Med Hondo (Mauritânia, 1970)
O Conformista (Il conformista), de Bernardo Bertolucci (Itália, 1970)
Conhecendo o grande e vasto mundo (Getting to Know the Big Wide World), de Kira Muratova (União Soviética, 1978)
Os Renegados (Sans toit ni loi), de Agnès Varda ( França, 1985)

A Longa Caminhada (Walkabout), de Nicolas Roeg (1971)
Cantando na Chuva (Singin’ in the Rain), de Stanley Donen e Gene Kelly (1952)
Memórias do Cárcere, de Nelson Pereira dos Santos (1984)
Reminiscências de uma Viagem à Lituânia (Reminiscences of a Journey to Lithuania), de Jonas Mekas (1972)
Celles qui s’en font, de Germaine Dulac (1928)
La cigarette, de Germaine Dulac (1919)
Danses espagnoles, de Germaine Dulac (1928)

Fotos: Divulgação.

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