Isso Não é um Enterro, é uma Ressurreição

por: Cinevitor

issonaoenterroposter1This Is Not a Burial, It’s a Resurrection

Direção: Lemohang Jeremiah Mosese

Elenco: Mary Twala, Jerry Mofokeng, Makhaola Ndebele, Tseko Monaheng, Siphiwe Nzima-Ntskhe, Thabiso Makoto, Thabo Letsie, Silas Taunyane Monyatsi, Mochesane Kotsoane, Shoaepane Joseph Sehahle, Matsoso Monyatsi, Ntsoaki Letsie, Molengoane Sello, Aleandro Florio, Sarah Weber, Tsele C. Sekoala, Kabelo Tlali, Lineo Shea, Matseliso Tschlo, Mohlominyana Hlauli, Sekasa Shea, Tamane Tamane, Malebecca Hlauli, Malehlohonolo Lechoba, Masentle Letsie, Masethabela Nnona.

Ano: 2019

Sinopse: Nas montanhas do Lesoto, uma viúva de 80 anos chamada Mantoa aguarda ansiosamente o retorno do filho, que trabalha nas minas da África do Sul, quando recebe a notícia de sua morte. Ávida pelo próprio fim após a perda do último membro remanescente da família, ela coloca seus negócios em ordem e toma providências para ser enterrada no cemitério local. Seus minuciosos planos são repentinamente perturbados pela notícia de que as autoridades pretendem inundar toda a região para construir uma barragem para um reservatório e, por consequência, reassentar a aldeia onde ela vive. Mantoa, então, resolve defender o patrimônio espiritual da comunidade. Na contraposição entre novo e antigo, entre nascimento e morte, o filme faz uma reverência à terra. Pelos olhos de Mantoa, vemos que há muita escuridão para enfrentar, mas, no final das contas, esta é uma história sobre a resiliência do espírito humano.

Crítica: Premiado em diversos festivais, entre eles, Sundance e Hong Kong, Isso Não é um Enterro, é uma Ressurreição, é, primeiramente, um espetáculo visual; pelas paisagens das montanhas de Lesoto, mas, principalmente, pelos belíssimos enquadramentos de Pierre de Villiers, que assina a direção de fotografia. O contraste deslumbrante entre as cores, seja dos figurinos ou da direção de arte, é apresentado em planos muito bem elaborados, cuja presença de cada objeto cênico ou personagem não aparece em vão. Tudo é muito bem pensado para construir uma atmosfera carregada de ancestralidade e apego emocional. Para isso, há também a forte presença de Mary Twala em cena, que interpreta a protagonista Mantoa. Depois de perder o filho, ela decide se entregar para a morte, que já lhe acompanha há um tempo. A morte, aliás, ronda aquele vilarejo constantemente em seus rituais, costumes e cotidiano. A história ganha um novo rumo com a notícia de que uma barragem será construída naquele local, sugerindo então, que os moradores sejam realocados e que deixem suas lembranças para trás. Imediatamente, Mantoa se posiciona contra e parte para uma guerra pessoal para manter o patrimônio espiritual de sua aldeia, respeitando, principalmente, cada cova cavada. Sua maior preocupação é o descaso com as memórias daqueles moradores; o cemitério, principal ligação material com os mortos, está prestes a desaparecer e com isso, também toda a simbologia que acompanha o rito de passagem daqueles que já se foram. Para Mantoa, isso é inadmissível; ainda mais no momento em que preparava seu próprio enterro. Tal desprezo lhe causa ainda mais a sensação de não pertencer a esse lugar, que não lhe acolhe mais e a deixou sozinha; Mantoa prefere estar ao lado de sua família e, para isso, precisa morrer, mesmo que seja necessário cavar sua própria cova. Sua determinação acaba lhe causando algumas consequências, assim como suas escolhas, mas o fato de imaginar que aquele lugar possa desaparecer sem deixar vestígios, faz com que a protagonista busque forças inimagináveis para impedir a catástrofe. Isso Não é um Enterro, é uma Ressurreição fala não só da morte de um ente querido, mas também do falecimento de uma cultura tomada pelo mundo exterior, que, por conta de interesses nada afetivos, tenta controlar sem compaixão alguma aquela aldeia. O cineasta Lemohang Jeremiah Mosese, que também assina o roteiro, constrói uma tensão narrativa que permeia o filme durante toda sua projeção; para isso, conta também com um elogiável trabalho de som e trilha sonora, que fortalece essa escolha diegética. Há uma força descomunal nessa protagonista tão bem interpretada, que dialoga com eficácia entre o luto e a resiliência. Não é à toa que Isso Não é um Enterro, é uma Ressurreição cita Gênesis, que antecede o Êxodo. Há uma busca pela paz e por conquistas. Nada aqui é por acaso, nem a morte; essa que convive diariamente com Mantoa. Em certo momento, logo no início, o narrador da história reflete: “os mortos enterram seus mortos”. Ao final, tudo se encaixa: Mantoa, que tem mais força que a própria morte, definitivamente não se encaixa mais naquele lugar. (Vitor Búrigo) 

*Filme visto na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

Nota do CINEVITOR:

nota-4-estrelas

Comentários