Anjos de Ipanema: Conceição Senna leva o movimento hippie para o 28º Cine Ceará

por: Cinevitor

anjosipanema1Equipe reunida durante a apresentação do filme no Cineteatro São Luiz.

A produção brasileira Anjos de Ipanema, de Conceição Senna, abriu a Mostra Competitiva Ibero-Americana de longa-metragem desta quinta-feira, 09/08, do 28º Cine Ceará. O documentário fez sua estreia mundial no festival e conta a história do Píer de Ipanema, ícone da contracultura e do surf no Rio de Janeiro dos anos 1970.

Anjos de Ipanema, segundo a sinopse, é um documentário memorialista sobre um verão mágico. Entre 1971 e 1972, enquanto o planeta se encontrava em convulsão, os jovens de Ipanema, felizes e gloriosos, dançam, saúdam o sol, se abraçam, se beijam e brincam. Hoje, mais de quatro décadas depois, essa geração está espalhada pelo mundo, alguns ainda fiéis ao poder da flor, alguns disfarçados com paletós executivos, mas todos marcados para sempre.

No dia seguinte à exibição, a diretora Conceição Senna participou de uma coletiva de imprensa ao lado de Aída Marques, diretora de produção, e de seu marido, o cineasta Orlando Senna. Confira os melhores momentos:

A IDEIA:

“Eu fico assustada com esses momentos obscuros que estamos vivendo e a nossa geração, que já viveu um golpe, fica assustada. Então, resolvi buscar meus amigos, que viveram comigo lá nas dunas do píer. Quis encontrar as pessoas que mantinham esse mesmo sentimento, do amor, da paz, da solidariedade”, revelou Conceição.

“Eu não tenho nenhuma relação direta com a realização do filme; apenas incentivei a Conceição nesse projeto, que foi feito durante um tempo bastante longo. O filme começou sem nenhum edital”, contou Orlando Senna.

NOTAS DA PRODUÇÃO:

“Há uma particularidade muito honrosa da Conceição. Seus três filmes, nos quais eu trabalhei, são muito pessoais; mais do que isso, são amorosos com os assuntos que ela trata. Eu acho que isso transparece ainda mais nesse último filme. É uma forma muito particular, de se colocar no filme e falar da relação que ela estabelece com suas personagens”, disse Aída Marques.

anjosipanema2Orlando e Conceição Senna na coletiva de imprensa.

MULHERES:

“Eu tenho uma ligação maior com as mulheres. Mas o que estava acontecendo naquela época é que a mulher estava liberada de mil preconceitos. Éramos revolucionários e veio também a liberação sexual. Havia uma atuação política forte, não éramos alienados”, contou a diretora.

PAZ E AMOR:

“A violência não acontece só no Rio de Janeiro. Ela está em todos os lugares, no país inteiro. Além da idade, eu não posso mais andar tranquilamente na praia de Ipanema. A gente anda assustado. Estamos vivendo um momento muito terrível, então vir pra cá pra falar de amor e paz tem um interesse muito maior”, disse Conceição.

MOVIMENTO HIPPIE E O CINEMA:

“O movimento hippie se relacionou com todas as expressões artísticas que estavam sendo feitas na época. Em relação ao Cinema, temos o Cinema Marginal. É um movimento muito forte, único, que aparece nessa época e, inclusive, contesta o Cinema Novo e é basicamente filho do píer. Nascem aí os filmes realizados no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Estivemos relacionados com alguns destes filmes, como Caveira My Friend [de Álvaro Guimarães], que eu fui o produtor e a Conceição atuou. Também estivemos muito perto de outros filmes baianos, paulistas e cariocas que foram realizados nessa mesma linha de preocupação, ou seja, um cinema mais solto, aparentemente sem compromisso político, porém evidente. Basta pensar um pouco nesse filme com uma ingerência na política e todo um interesse forte em discutir aqueles momentos terríveis que o Brasil viveu naquela época”, refletiu Orlando.

anjosipanema4Cena do filme: imagem de arquivo.

MOVIMENTO HIPPIE E A POLÍTICA:

“O movimento hippie esteve sempre muito próximo da política tradicional, que era utilizada para circunstâncias e panoramas que já não cabiam naquele tipo de política. Daí nasce o hippieismo como um posicionamento absolutamente político, não só o brasileiro, mas também o europeu e o norte-americano. Foi uma geração política fortíssima que modificou muitas vidas. Aqui no Brasil houve uma palavra de ordem política que desfez o movimento”, relembrou Orlando.

“Mesmo vivendo aquela grande aventura existencial, a nossa intenção era nitidamente de mudar tudo e isso, naquela época, significava sair da ditadura militar violentíssima. A relação é muito próxima entre a guerrilha tradicional e a guerrilha lisérgica dos hippies”, comentou Orlando.

MOVIMENTO HIPPIE NO BRASIL:

“O tropicalismo faz parte desse movimento e é inspirador. O movimento hippie no Brasil é completamente diferente do europeu e do norte-americano, inclusive chega atrasado. Quando esse movimento tem um epicentro ali na praia de Ipanema, nos EUA e na Europa ele já estava indo pro brejo, enquanto a gente estava começando o movimento”, revelou Orlando.

O TÍTULO:

“A palavra anjos no título vem dos próprios entrevistados. Falávamos que éramos puros, pois não se cobrava para fazer sexo, por exemplo. Não fui eu que inventei esse termo, eles que me deram. Mas foi durante as entrevistas que surgiu essa ideia”, revelou Conceição.

anjosipanema3A equipe do filme conversa com os jornalistas.

AMOR E AMIZADE:

“Queria falar da estratégia que a Conceição usou para fazer esse filme. Ela era hippie, umas das primeiras. Viveu todo aquele movimento, aquela aventura. Mas, ao fazer o filme não se jogou naquela enorme comunidade que se encontrava diariamente em Ipanema. Ela procurou exatamente quem era de sua turma particular dentro do movimento hippie. Eram várias tribos dentro de uma grande tribo. E ela escolheu apenas a dela; ou seja, um grupo de pessoas que mantêm uma amizade e um tipo de comportamento e pensamento há quarenta e cinco anos. São amigos que nunca se afastaram um do outro e isso corresponde muito ao comportamento hippie da época, ou seja, todos juntos, com a mesma energia e a mesma percepção de mundo. Eu acho que essa estratégia é que oferece ao filme essa simpatia que ele tem, que são amigos de meio século que voltam a conversar agora diante da câmera, mas que nunca deixaram de se amar e se abraçar”, disse Orlando Senna.

ONTEM E HOJE:

“O píer era um centro de criação e havia também uma harmonia. Essa coisa do corpo era importante, cada encontro era um abraço, um afago, um carinho. Era um alimento muito grande para aquele mundo que a gente estava vivendo escondido atrás das dunas. Hoje, estamos vivendo um novo golpe terrível e não temos mais pernas pra correr. Eu sinto a juventude muito perdida e me assusta muito esses jovens de hoje. Onde eles estão?”, finalizou a diretora.

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Fotos: Divulgação/Cine Ceará.

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